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Dissociação na alimentação

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Como conciliamos dois princípios – gostar de comer carne, não gostar de causar dor e sofrimento – que parecem incompatíveis?

Comer carne é uma prática com profundas raízes sociais e culturais nas sociedades ocidentais. No entanto, vários estudos científicos na área da psicologia têm apontado para um desconforto psicológico, sentido por muitos consumidores, devido à incompatibilidade entre dois princípios básicos: (1) gostar de comer carne, (2) desgostar de provocar dor e sofrimento aos animais. A solução pode parecer simples: alterando os nossos hábitos, resolvemos o desconforto e o paradoxo. Contudo, muitos de nós não se sentem preparados para alterar hábitos (por exemplo, optar por mais refeições de base vegetal). Não alterando hábitos, como resolvemos o desconforto? Como conciliamos dois princípios – gostar de comer carne, não gostar de causar dor e sofrimento – que parecem incompatíveis?

De acordo com um artigo recentemente publicado na Appetite (uma revista científica de referência na área da alimentação), uma das estratégias automáticas que usamos, para prevenir este desconforto, é recorrer a um conjunto de mecanismos de dissociação. Ou seja, dissociamos, de forma inconsciente, a carne (porção do animal) da sua origem (o animal). Através de cinco estudos, o artigo demonstrou, por exemplo, que a exposição a carne processada gerou menos sentimentos de empatia em relação ao animal utilizado do que a carne não processada (em que a origem animal era mais saliente). De igual modo, mostrar um animal vivo num anúncio de carne, ou mostrar o corpo de um animal cozinhado com a cabeça, aumentou sentimentos de empatia e reduziu a vontade de consumir as porções de carne (comparando com o anúncio sem animal, e com o corpo cozinhado sem cabeça, respetivamente).

Importa sublinhar que o objetivo do trabalho era identificar (e demonstrar experimentalmente) a existência do processo de dissociação. Contudo, o artigo não testou sistematicamente o efeito de diferentes estratégias para reduzir a dissociação (ou para aumentar a associação). Ou seja, continuamos a não saber em que condições (nem em que meios) eventuais tentativas de reafirmar a associação podem gerar diferentes reações em diferentes pessoas. Como consumidores, é fácil imaginar o que poderíamos sentir em contextos de associação muito imersivos, por exemplo, ao visitar um matadouro de animais utilizados para fins alimentares, ou ao participar ativamente no abate. No entanto, em muitos casos, é provável que a associação entre a porção de carne e a sua origem animal possa reforçar outros mecanismos de defesa, automáticos e inconscientes, tornando-nos ainda mais resistentes à mudança.

Em síntese, este artigo reforça a ideia de que existe um processo de dissociação enraizado em algumas das nossas práticas de consumo e representação do consumo de carne. O processo de dissociação desvanece a ligação entre a carne e a sua origem animal, face ao desconforto que possamos sentir por gostarmos de comer carne e, ao mesmo tempo, desgostarmos de provocar dor e sofrimento aos animais. Contudo, não conhecemos o impacto de diferentes estratégias e ações para promover ou reforçar a associação. À luz de outros estudos sobre o consumo e redução do consumo de carne, temos razões para acreditar que algumas destas ações poderão desencadear reações defensivas nos consumidores, sobretudo quando não se sentem preparados para alterar hábitos. Num próximo texto falaremos um pouco mais sobre alguns destes mecanismos de defesa e resistência à mudança, e também sobre apego ao consumo de carne.

Referências:

Kunst, J. R., & Hohle, S. M. (2016). Meat eaters by dissociation: How we present, prepare and talk about meat increases willingness to eat meat by reducing empathy and disgust. Appetite, 105, 758-774.

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