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Porque o alerta climático do novo relatório do IPCC não refere o impacto do que comemos?

No passado dia 20 de março, foi divulgada a última parte do sexto relatório de avaliação (AR6) do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC). No entanto, para a Associação Vegetariana Portuguesa, este documento deixa a desejar no que toca à clareza da sua mensagem.

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Transmite a urgência em se avançar com mudanças significativas no sistema alimentar e energético, para evitar sérias consequências sociais, induzidas pela crise climática e por danos nos ecossistemas, mas “esquece-se” do impacto da indústria pecuária, responsável por 18 % das emissões globais de gases de efeito estufa medidas em CO2 equivalentes (uma fração mais elevada que a do setor dos transportes).

Segundo Nicholas Carter, cientista de dados e pesquisador do portal Plant Based News, a boa notícia é que sabemos, em grande parte, o que precisamos de fazer, mas a má notícia é que algumas indústrias têm se empenhado para manter estas soluções (de resolução climática) em segredo.

Relatório de Síntese AR6 do IPCC

O documento baseia-se em descobertas e recomendações de centenas de cientistas, dos três grupos de trabalho do IPCC. Simplificando, o relatório aborda atualizações sobre a ciência física da crise climática e formas de mitigação das mesmas.

Mais uma vez, o relatório do IPCC pede mudanças transformacionais na sociedade para evitar que se ultrapassem os limites catastróficos inerentes às alterações climáticas. Apesar da extensa informação sobre a necessidade de preservação dos ecossistemas e de reduzir as emissões de combustíveis fósseis, assiste-se a uma lacuna na consideração do sistema alimentar como sendo parte da estratégia de combate às alterações climáticas, nomeadamente, enquanto causa primária.

Indústria da carne acusada de interferir no relatório do IPCC, removendo a menção à alimentação de base vegetal

Nos últimos cinco anos, as populações dos países mais desenvolvidos têm vindo a ganhar consciência do peso que o sistema alimentar tem na pegada ecológica e, por conseguinte, nas emissões globais de gases poluentes. No entanto, os relatórios do IPCC são cada vez mais vagos acerca do que é uma dieta equilibrada e ecológica. No Relatório de Síntese AR6 do IPCC, pode-se ler o seguinte: “Dietas saudáveis, equilibradas e sustentáveis, e a redução da perda e desperdício de alimentos, apresentam importantes oportunidades de adaptação e mitigação, ao mesmo tempo que geram co-benefícios significativos em termos de biodiversidade e saúde humana (alta confiança)” (p.74).

A questão que Nicholas coloca é: “O que querem dizer com dietas equilibradas e sustentáveis?” A resposta surge em discretas notas de rodapé, quando explicam que “Dietas equilibradas incluem alimentos de base vegetal, como aqueles à base de cereais integrais, hortícolas, frutas e vegetais, nozes e sementes…” (p.74)

Mas, de acordo com anteriores afirmações do AR6, em 2021, e agora da Scientist Rebellion, a redação inicial tinha outra explicação para este tema: “Dietas de base vegetal podem reduzir as emissões de GEE até 50%, em comparação com a dieta [mais comum dos países] ocidentais”, caracterizada, esta última, como mais poluente.

Perante esta quase ausência de associação entre sistema alimentar e alterações climáticas, sustentada, no entanto, pela evidência científica, é de acreditar que a pressão dos lobbies da pecuária terá tido influência na redação deste último relatório do IPCC. Acresce que inclui a recomendação de consumir “alimentos de origem animal produzidos em sistemas resilientes, sustentáveis e com baixas emissões de GEE”, com poucas evidências de como ou onde é que isso efetivamente acontece. 

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5 principais conclusões

O impacto catastrófico do metano

Cortar o metano é a maneira mais rápida e eficaz de travar a crise climática, já que tem o potencial de reduzir o aquecimento global em mais de meio grau. A temperatura terrestre já aumentou 1,2 graus Celsius (°C), desde o período pré-industrial, e estamos a aproximarmo-nos, a uma velocidade considerável, do limite do Acordo de Paris de 1,5°C. Até mesmo aumentos residuais acima de 2°C resultarão num colapso para todas as espécies e num agravamento dos cenários de seca, tempestades e inundações, mas também de guerras e conflitos pelo acesso aos recursos naturais limitados. Existem, assim, motivos para preocupação, reforçados pelo facto de os níveis de metano terem subido para 262 %, acima do que eram nos tempos pré-industriais.  

De onde vem o metano?

Existem muitas fontes de metano causado pelo homem. Mas a criação de animais para alimentação é a maior, contribuindo com 32 % a 40 % do total de emissões, um pouco acima de outras fontes igualmente desnecessárias, como o gás natural (combustível de origem fóssil). Com mais de quatro mil milhões de ruminantes de criação, e sabendo-se que a pecuária está na dianteira das emissões de metano, é de esperar que quaisquer análises profundas às alterações climáticas atentem na produção e consumo de produtos de origem animal. Algo que não se verifica no relatório do IPCC.

Adicionalmente, apesar dessas preocupações, a maioria dos compromissos climáticos dos países desenvolvidos não inclui metas de redução de metano para a pecuária, algo que, naturalmente, favorece a indústria de carne bovina (lembrando que uma única vaca produz entre 70 e 120 kg de metano, por ano).

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Kgs de emissões de CO2 equivalentes por kg de produto. Fonte: Visualcapitalist.com

O impacto da desflorestação

A pecuária é responsável por quase 40 % da desflorestação global, sendo que a União Europeia é a segunda maior responsável pela desflorestação no mundo. Os três produtos importados que mais contribuem para esta problemática são a soja, o óleo de palma e a carne de bovino.

Depois da China, a União Europeia é o segundo maior importador de soja do mundo devido à pecuária industrial: cerca de 87 % da soja usada na UE é para ração animal, com sérias consequências para a biodiversidade e para o clima. Nos últimos 20 anos, a produção global de soja mais do que dobrou, impulsionada pela procura por ração animal para produzir carne, ovos e laticínios.

Destruição (e potencial) dos ecossistemas

Os ecossistemas sofrem substancialmente com a pressão do sistema alimentar, principalmente devido à pecuária, aos biocombustíveis e à pesca. A redução da conversão de ecossistemas naturais, para esses fins, tem maior potencial de mitigação da crise climática do que a energia eólica e quase tanto quanto a solar, ao mesmo tempo que oferece os melhores e mais acessíveis métodos de remoção de carbono. Apesar do IPCC listar outras abordagens (como a agricultura regenerativa), estas têm um impacto residual e são suscetíveis ao greenwashing, já que podem até resultar em mais emissões, caso não sejam acauteladas outras compensações ambientais.

“A expansão agrícola insustentável, impulsionada em parte por dietas desequilibradas, aumenta a vulnerabilidade dos ecossistemas e humanos e leva à competição por terra e/ou recursos hídricos (alta confiança)” (p.15).

Reduzir a atividade de pecuária enriquece a flora e fauna nativas, aumentando a sua diversidade.

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Crise do desperdício alimentar e produção de carne

Reduzir o desperdício alimentar será fundamental.

A maior causa de desperdício de alimentos, não categorizada tecnicamente na análise do IPCC, corresponde a aproximadamente 90% das calorias que se perdem no sistema alimentar quando se cultivam alimentos para uso da pecuária, em lugar de serem diretamente consumidos pelas pessoas.

Esta ineficiência no consumo é a maior causa de desperdício do sistema alimentar (p. ex.: por cada 100 calorias que alimenta uma vaca, uma pessoa ingere apenas 2 calorias de carne, ao consumir esta última). 

Pensamentos finais

Sem mudanças transformacionais na forma como consumimos e produzimos alimentos, mas também ao nível energético, sendo que estas também contribuíram para o bem-estar da sociedade, projeta-se um aquecimento global de 3,2°C para 2100, o que representa uma situação de devastação absoluta para as crianças de hoje.

As mais de 80 páginas do último relatório IPCC AR6 podem evidenciar um cenário assustador mas falham em retratar a realidade na íntegra, deixando de lado o que os governos e a sociedade civil podem fazer ao nível do sistema alimentar, como promoção de uma ação eficaz para atenuar a crise climática. Agora que sabemos, mais do que nunca, o que precisamos de fazer, é necessário reconhecer os factos e agir perante os mesmos. 

Este artigo teve como base uma publicação do portal Plant Based News

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