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Comentário sobre artigo no Público: “Quero ser vegan e ter uma alimentação equilibrada”

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Um artigo de opinião publicado no dia 13 de Maio de 2018 pela Público intitulado “Quero ser vegan e ter uma alimentação equilibrada, o que fazer?” foi uma das publicações mais partilhadas no início da semana.

A AVP, cumprindo o seu sentido de dever de informar o público, alerta para o facto de este artigo ter causado certo desconforto entre a população vegana, pois existem algumas afirmações que merecem um esclarecimento mais aprofundado.

O artigo, tal como é possível ver no título, tem como objectivo aconselhar as pessoas a seguir uma alimentação vegana saudável e o autor não pretende fazer julgamentos ou discussões sobre a escolha alimentar das pessoas. No entanto, ao longo do texto, vão-se fazendo comparações com outros alimentos de origem animal que levam a crer que pode não estar a cumprir com o alerta inicialmente dado.

este artigo não será para abordar se as dietas vegetarianas são melhores ou piores do que as omnívoras, se são mais ou menos sustentáveis ambientalmente ou até moralmente mais aceites ou reprováveis.”

A AVP entende a posição do autor, mas quer deixar claro que a escolha alimentar de cada pessoa tem fortes consequências ambientais e sobre o bem-estar animal. Deste modo, abordar a dieta de cada pessoa simplesmente pelo aporte nutricional não parece ser adequado. Recentemente, entre os cientistas, também se tem caracterizado as escolhas alimentares como uma responsabilidade moral para com as gerações futuras 1. Aliás, quando mais de 15000 cientistas de 184 países dizem que o consumo de produtos de origem animal é o maior responsável pela destruição do nosso planeta 2, torna-se evidente que o debate sobre o regime alimentar vegano vai para além do seu efeito na saúde e não devemos separar os argumentos. De referir que a prática do regime alimentar vegano também ajuda a lutar contra a fome 3.

Uma alimentação sem carne, pescado, lacticínios e ovos (vamos remover os ovo-lacto-vegetarianos da equação e cingirmo-nos apenas à alimentação vegan), implica necessariamente alguns ajustes

A AVP concorda totalmente com as palavras do autor e encorajamos todos as pessoas a seguir uma alimentação equilibrada e completa em todos os nutrientes. Se possível, até acompanhadas por um(a) nutricionista. No contexto da população geral, os veganos são até aqueles que melhor seguem as recomendações nutricionais de acordo com o Healthy Eating Index 2010 e o Mediterranean Diet Score 4 e estes parâmetros até poderiam melhorar se todos os veganos tomassem atenção aos nutrientes que consomem.

grande parte das bebidas vegetais estão nitidamente longe de se equipararem ao leite por não terem praticamente proteína (abre-se uma excepção para a bebida de soja) e por grande parte delas terem quantidades muito elevadas de açúcar

As bebidas vegetais têm as suas diferenças nutricionais mas, ao contrário do leite de vaca, até à data, não estão consistentemente associados a doenças que afectam a saúde humana. Por exemplo, o consumo regular do leite de vaca ou  produtos lácteos está associado ao aumento do peso (na inexistência de restrição calórica) 5,6, aumento no risco de desenvolvimento do cancro da próstata 7, do cancro do fígado 8, linfoma não-Hodgkin 9, , doença de Parkinson 10 e da acne 11 e à diminuição na capacidade cognitiva 12, entre outras complicações. Inclusive, a Universidade de Harvard aconselha alguma cautela em relação ao consumo de produtos lácteos 13. Por estas razões, e respeitando a opção do consumidor de querer prevenir certas doenças, comparar as bebidas vegetais com o leite de vaca apenas pelo seu aporte nutricional não parece ser justo. Por outro lado, hoje em dia, existem cada vez mais opções de bebidas e iogurtes vegetais no mercado que não contêm açúcar adicionado. Devemos lembrar também que uma grande parte dos produtos lácteos com sabor também têm açúcar adicionado e podem ser ricos em gordura. Os produtos lácteos contribuem com uma grande parte da gordura saturada consumida na Europa 14. É importante contextualizar os problemas nutricionais.

“Garantir uma boa ingestão de proteína com uma dieta vegan é uma das tarefas que se torna mais difícil.”

Estudos feitos nos países desenvolvidos indicam que a maioria das pessoas que segue uma alimentação vegana tem um consumo de proteína acima do recomendado 15,16. Os dados apresentados pela Direção-Geral de Saúde indicam o mesmo 17. O importante é ter um aporte calórico suficiente e incluir fontes ricas em proteína vegetal durante as refeições.

“a maior parte dos suplementos destes dois ácidos gordos é proveniente de óleo de peixe”

Embora sem relação direta com o artigo, a AVP gostaria de referir que as pessoas devem obter o EPA/DHA através do consumo do óleo de microalgas, pois a ingestão deste tipo de ómega-3 através do consumo de animais marinhos é insustentável para os oceanos e causa problemas graves a nível do ecossistema e ambiente 18,19.

“Como o seitan fica a anos luz da carne também na quantidade de ferro, zinco, vitamina B12 e afins, é um alimento com uma utilidade relativamente reduzida.”

É necessário ver se os estudos futuros indicam se o seitan faz mal ou bem à saúde, mas de momento isso não parece estar bem estabelecido. Mesmo assim, fazer a sua comparação com a carne em termos nutricionais não parece adequado. As carnes processadas são atualmente classificadas como um cancerígeno de classe 1 e as carnes vermelhas um cancerígeno de classe 2A, de acordo com o grau de evidência estabelecida pela Organização Mundial de Saúde 20 e estão associados com inúmeras outras doenças. O consumo de carnes brancas poderá ser melhor para a saúde em comparação com o de carne vermelha, mas continua a apresentar-se como um fator de risco no contexto de certas doenças como a hipertensão 21 e o aumento do peso 22,23, entre outros. Portanto, esta comparação do seitan com a carne é no mínimo questionável em termos de saúde, para não mencionar o impacto ambiental. Por outro lado, falta referir que o seitan não é um substituto direto da carne (nessa categoria poderiam estar os denominados mock meats), mas sim uma opção que serve para muitas pessoas aportar mais variedade a certos pratos ou apenas desfrutar da sua textura.

“Quando estamos num restaurante/buffet vegetariano, a única certeza que existe é que não existem alimentos de origem animal e como tal o aporte de proteína de qualidade dessa refeição será extremamente curto.”

A AVP acredita que tal dependerá da escolha do prato de cada pessoa, mas tendo em conta os perigos que o consumo de proteína animal apresenta para a saúde humana, acreditamos que será melhor opção escolher os produtos com proteína vegetal, especialmente os não processados24,25. No ano passado (2017), vários cardiologistas e peritos em nutrição afirmaram que a proteína vegetal apresentava-se como um nutriente mais saudável que a proteína animal25. O mais recente estudo realizado pela Universidade de Harvard, descobriu que o consumo de proteína animal (juntamente com pelo menos outro fator de risco relacionado com o estilo de vida das pessoas) pode aumentar o risco associado de morte prematura em 8%, enquanto que a proteína vegetal diminui o risco de mortalidade prematura em 10%24. Ao contrário da proteína animal, a proteína vegetal pode nos ajudar a prevenir a obesidade26 ou reduzir o risco de diabetes tipo 227.

Por estas razões, a AVP não entende este comentário por parte do autor.

“A quantidade de gordura pode ser muito elevada pelo azeite e outros óleos vegetais, frutos gordos, sementes, abacate, massa folhada, natas de soja e afins, de modo que não é líquido que esta alimentação seja meio caminho andado para emagrecer.”

Concordamos com o autor e parece ser um comentário bastante pertinente para quem pense que o regime alimentar vegano cria “milagres”. E apesar de existirem opções alimentares vegetarianas que não sejam as mais saudáveis, em termos do ambiente e animais, será sempre uma escolha mais consciente.

Mesmo assim, no contexto da obesidade, a alimentação de base vegetal com produtos não processados apresenta-se um regime alimentar adequado e benéfico, quando comparado com outros padrões alimentares, e em estudos realizados nos países desenvolvidos, os veganos também são aqueles que melhor saúde apresentam 28. Não podemos deixar de dizer que muitos dos pratos não-vegetarianos também são preparados com grandes quantidades de gordura, manteiga e óleos e, tal como o autor refere, a restrição calórica e a escolha alimentar será fundamental para a perda de peso.

Para concluir, a AVP concorda com os outros pontos apresentados pelo autor e gostaria de que as pessoas seguissem um regime alimentar vegano de forma adequada. Como instituição, apoiamos qualquer iniciativa pessoal para reduzir o consumo de produtos de origem animal. No entanto, também apelamos à comunicação social para que, pelo menos, dê a mesma importância e atenção aos benefícios da alimentação vegana que dá aos artigos alarmistas sobre o tema. Gostaríamos de salientar também que, independentemente da opinião nutricional de cada profissional de saúde, salvar o planeta Terra deveria ser a primeira prioridade e o regime alimentar vegano apresenta-se como uma das únicas formas para evitar o aquecimento global acima de 2°C 29. Para além disso, também apelas ao bom senso e o consequente impacto das recomendações nutricionais no bem-estar animal. Pois, a AVP acredita que nada justifica os atos de crueldade para os quais os animais são submetidos em nome da nutrição.

REFERÊNCIAS

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  2. Ripple WJ, Wolf C, Newsome TM, et al. World scientists’ warning to humanity: a second notice. Bioscience. 2017;67(12):1026-1028. doi:10.1093/biosci/bix125.
  3. Shepon A, Eshel G, Noor E, Milo R. The opportunity cost of animal based diets exceeds all food losses. Proc Natl Acad Sci U S A. 2018;115(15):3804-3809. doi:10.1073/pnas.1713820115.
  4. Clarys P, Deliens T, Huybrechts I, et al. Comparison of nutritional quality of the vegan, vegetarian, semi-vegetarian, pesco-vegetarian and omnivorous diet. Nutrients. 2014;6(3):1318-1332. doi:10.3390/nu6031318.
  5. Mendelian Randomization of Dairy Consumption Working Group. Dairy consumption and body mass index among adults: mendelian randomization analysis of 184802 individuals from 25 studies. Clin Chem. 2018;64(1):183-191. doi:10.1373/clinchem.2017.280701.
  6. Geng T, Qi L, Huang T. Effects of dairy products consumption on body weight and body composition among adults: an updated meta-analysis of 37 randomized control trials. Mol Nutr Food Res. 2018;62(1):1700410. doi:10.1002/mnfr.201700410.
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