fbpx

Partilha este artigo:

Por Jack Norris (dietista, co-autor do livro Vegan for Life, co-fundador da organização Vegan Outreach)

Introdução
O crudivorismo é a filosofia segundo a qual a maior parte ou toda a dieta de uma pessoa deve ser composta por comida não cozinhada. As dietas crudívoras são geralmente veganas e o crudivorismo vegano será o foco deste artigo. Pelo que percebo, a tendência nos meios crudívoros nos últimos anos tem sido dar enfase ao consumo de pelo menos 80% da tua comida crua (por volume), em vez de 100%.

Fui crudívoro nos meus vinte e tal anos
Em 1993, interessei-me por crudivorismo. Tinha estado a ter cáries nos dentes com considerável regularidade durante os anos anteriores e um dos meus colegas de trabalho num armazém de distribuição de uma cooperativa de comida natural disse-me que as cáries eram causadas pelo facto de eu comer a minha comida num estado não natural. Ele chamou-me a atenção para o facto de os animais selvagens não cozinharem a sua comida e não ficarem com cáries.
Por volta da mesma altura, conheci um casal que estava bastante interessado por crudivorismo e eles introduziram-me a muita bibliografia e deram-me apoio moral. Tal como eu, eles também eram defensores dos animais, e eram também bastante dinâmicos e activos, portanto eles foram modelos aliciantes para mim.
Desde o Outono de 1993 até 1995, eu comi 90% dos meus alimentos crus. Li também todo e qualquer livro e artigo sobre crudivorismo que conseguisse encontrar. Estes continham história atrás de história sobre pessoas a curarem as suas doenças cardíacas, diabetes, cancro, e outras doenças através dos alimentos crus.
A dieta absolutamente fazia sentido. Uma vez que os humanos são os únicos animais que cozinham a sua comida, teríamos de estar melhor a comer uma dieta mais natural de alimentos crus… não teríamos?
Não correu assim tão bem comigo. Para começar, eu tenho gordura corporal baixa, e com a dieta crudívora perdi 4,5 quilos. Como halterofilista regular, notei que a minha força declinou consideravelmente. Apanhei constipações com frequência (algumas pessoas dizem que isso é o corpo a desintoxicar; uma explicação mais plausível é que eu não estava a comer proteína suficiente para prevenir infecções). Eu estava obcecado com comida e a querer comer comida cozinhada. O casal que me orientou também estava a ter dificuldades com a dieta.
Finalmente tive de admitir que não estava a funcionar e lentamente voltei a habituar-me aos alimentos cozinhados. Embora tenha tentado resistir, a minha dieta foi-se tornando mais cozinhada todo o tempo. Desde 1997 eu tenho comido a maior parte da minha comida cozinhada.
A experiência virou-me para a ciência, tendo passado a confiar mais em pesquisas científicas publicadas e muito menos em teorias populares e relatos anedóticos. À medida que fui lendo mais ciência nutricional convencional, tornou-se claro que muitas das afirmações feitas pelos crudívoros não eram verdadeiras.

História dos alimentos cozinhados
Alguns crudívoros dizem que os humanos só cozinharam os alimentos durante um período relativamente curto da nossa História. No seu artigo de 2003, Cooking as a Biological Trait [Cozinhar como uma peculiaridade biológica], os antropólogos da Universidade de Harvard, Richard Wrangham e Nancy Lou Conklin-Brittain, mencionam investigações que demonstram que: “Cozinhar é, portanto, largamente aceite desde há pelo menos 250,000 anos atrás.” (3) Alguns indícios sugerem 1,6 milhões de anos atrás. Eles também defendem que são necessários apenas 5,000 anos ou menos para o corpo humano se adaptar a diferentes métodos de se alimentar. O que se conclui é que os humanos têm estado a cozinhar há tempo suficiente para se terem adaptado a uma dieta de alimentos cozinhados. Isto poderá explicar o porquê de tantas pessoas que tentaram o crudivorismo não terem sido bem-sucedidas.
A teoria de Richard Wrangham, de que foi o acto de cozinhar os alimentos que possibilitou aos antepassados primitivos dos humanos desenvolverem cérebros grandes é examinada na edição de 15 de Junho de 2007 da revista Science (Food for Thought: Did the first cooked meals helped fuel the dramatic evolutionary expansion of the human brain? [Alimento para o Pensamento: Terão as primeiras refeições cozinhadas ajudado a estimular o aumento evolucionário drástico do cérebro humano?]). Ao cozinhar os alimentos, fomos capazes de os tornarmos mais digestíveis (ao decompor-se a fibra vegetal e o tecido muscular) e portanto de comermos mais calorias com menos esforço digestivo, resultando num sistema digestivo mais pequeno e em mais energia para desenvolvermos os nossos cérebros.
Um artigo de 2010, Chew on this: thank cooking for your big brain [Rumina sobre isto: agradece ao processo de cozinhar pelo teu cérebro grande], também debate o trabalho de Wrangham. Eles sugerem que os dentes molares mais pequenos do Homo erectus e do Homo sapiens possam ser consequência de se cozinhar os alimentos.

Os alimentos cozinhados são tóxicos?
Alguns crudívoros afirmam que a comida cozinhada é tóxica ou venenosa. Um bom artigo que examina esta questão é, A Comida Cozinhada é Veneno?, por Jean-Louis Tu, que conclui:

Cozinhar cria algumas toxinas, e neutraliza outras. Todas as plantas têm pelo menos alguma quantidade de “pesticidas da natureza.” Não existe tal coisa como uma dieta livre de toxinas. Dentro de uma gama de consumo normal, as toxinas resultantes de técnicas de cozinhar moderadas podem ser controladas sem perigo pelos mecanismos normais do corpo, e não parecem aumentar a incidência de doenças degenerativas.

Cozinhar tem tanto consequências negativas como positivas. Cozinhar, especialmente durante períodos longos, pode danificar algumas vitaminas. Cozer, e cozinhar ao vapor, faz com que algumas vitaminas e minerais saiam para fora dos alimentos. Químicos que se pensa que causam cancro são formados quando os alimentos são queimados ou quando os óleos são aquecidos acima do ponto de fumaça. Fritar os alimentos numa fritadeira faz com que se formem gorduras trans.
Quanto a vantagens, cozinhar decompõe componentes dos alimentos que de outro modo prenderiam os minerais e impediriam a sua absorção. Pode suavizar a fibra, o que permite que sejam consumidos mais alimentos. Cozinhar torna alguns nutrientes, como o betacaroteno e outros antioxidantes, disponíveis para uma absorção fácil. Cozinhar desnatura as proteínas, essencialmente espalmando-as, o que pode ajudar a digestão. Cozinhar desestabiliza componentes tóxicos de alguns alimentos, como as propriedades promotoras do bócio dos brócolos. Faz com sejam mais comestíveis que muitos alimentos. Cozinhar pode reduzir as reacções alérgicas causadas por certos alimentos (5).
Embora a fibra seja uma coisa boa, e a maior parte dos americanos devesse comer mais fibra, algumas dietas veganas podem ter quantidades muito elevadas de fibra. A fibra fornece muito pouca energia, ao mesmo tempo que te enche por completo, e os veganos com necessidades energéticas mais elevadas podem beneficiar de consumirem uma percentagem elevada de alimentos cozinhados. Por outro lado, pessoas que querem perder peso podem se favorecer ao aumentarem o seu consumo de alimentos crus, ricos em fibra.

Enzimas
As enzimas digestivas ajudam a decompor as ligações moleculares nos alimentos. Alguns crudívoros afirmam que comer alimentos crus aumenta a esperança de vida porque os alimentos crus contêm enzimas digestivas que digerem os alimentos e evitam que o corpo use energia para criar as suas próprias enzimas digestivas. Alguns dizem que o corpo tem uma capacidade limitada para produzir enzimas e que uma vez que essa capacidade tenha sido esgotada, tu morres.
Os ácidos do estômago destroem a maior parte das enzimas dos alimentos crus antes que estas possam fazer grande coisa para digerirem os alimentos. Para mais detalhes sobre a
s enzimas e os alimentos crus, vê, Do “Food Enzimes” Significantely Enhace Digestive Efficiency and Longevety? [As “Enzimas dos Alimentos” Melhoram Significativamente o Bom Funcionamento Digestivo e a Longevidade?].
Em vez de dizer que as pessoas vão morrer devido a uma falta de enzimas digestivas, é provavelmente mais correcto dizer que a sua habilidade para digerir alimentos vai diminuir com o passar do tempo à medida que a sua habilidade para produzir enzimas digestivas diminuir. No link no parágrafo anterior, o autor refere que há muitos outros processos fisiológicos que têm mais a ver com o corpo a envelhecer do que com uma falta de produção de enzimas.

O crudivorismo é saudável?
Poucos estudos examinaram qual é a percentagem de alimentos crus que irá prevenir o máximo de doenças, e não há estudos que messam a taxa de doenças dos crudívoros.
Muitas pessoas que tentaram dietas crudívoras, como eu, não se deram bem, enquanto outras parecem mais saudáveis, como o culturista Giacomo Marchese.
Os veganos crudívoros devem prestar atenção às recomendações para todas as dietas veganas, que estão resumidas na tabela, Recomendações Diárias para Veganos Adultos.
Os crudívoros devem assegurar-se de que obtêm vitamina B12 suficiente, e não devem fiar-se em fontes naturais tais como algas marinhas ou alimentos fermentados. Na secção Veganos Crudívoros de Vitamina B12: Estás a apanhar?, podem ser lidos estudos que mostram que os crudívoros têm um estado pobre de vitamina B12.
Uma preocupação importante em relação às dietas crudívoras diz respeito à saúde óssea. O estudo mais importante até à data sobre a saúde óssea vegana verificou que os veganos têm uma taxa mais elevada de fracturas se não consumirem pelo menos 525 mg de cálcio por dia (vê aqui). Eu recomendo vivamente que os veganos, incluindo os crudívoros, obtenham pelo menos 700 mg de cálcio por dia (a Dose Diária Recomendada é de 1,000 mg para adultos com menos de 50 anos; 1,300 mg para os adultos com mais de 50 anos). Num estudo de 2005, os crudívoros estavam a consumir uma média de 579 mg de cálcio por dia e tinham uma média de densidade óssea de minerais inferior à de um grupo de controlo de não vegetarianos (2).
Além de o consumo de cálcio possivelmente ser um problema para os ossos, as mulheres crudívoras frequentemente têm uma gordura corporal tão abaixo do nível normal que não produzem estrogénio suficiente para continuarem a menstruar, um problema associado a uma má saúde óssea. Um estudo de 1999 verificou que 30% das mulheres crudívoras devem assegurar-se de que estão a consumir calorias suficientes para prevenirem a amenorreia (1). A proteína pode ser um problema para muitos crudívoros. O aminoácido lisina é bastante limitado nos alimentos vegetais com excepção das leguminosas, e as leguminosas geralmente não são consumidas em grandes quantidades nas dietas crudívoras. A ideia de que a proteína é importante é frequentemente troçada nos meios veganos e crudívoros, mas a deficiência de proteína moderada a longo prazo, poderá ter um impacto nos ossos e possivelmente noutros tecidos importantes. Se és um vegano crudívoro que consome menos de 100% de alimentos crus, talvez possas querer incluir bastantes leguminosas como os teus alimentos cozinhados.
Finalmente, a razão pela qual eu originalmente me interessei pelo crudivorismo, para prevenir as cáries, revelou-se sem grande mérito – um estudo de 1999 verificou que os crudívoros tinham significativamente mais desgastes dentários do que um grupo de controlo (4). Não se comendo quantidades excessivas de fruta desidratada ou de citrinos, e prestando-se uma cuidadosa atenção à higiene dentária, este problema possivelmente poderia ser prevenido.

Ortorexia
A Ortorexia é uma preocupação para pessoas que consideram que os alimentos cozinhados e/ou processados são tóxicos. Ortorexia é um termo criado por Steven Bratman, MD, para descrever um distúrbio alimentar caracterizado por um foco excessivo no consumo de alimentos saudáveis. Em casos raros, pode levar à malnutrição grave ou até à morte. Aqui estão dois clips de um episódio do 20/20 sobre ortorexia que deveriam ser vistos por qualquer pessoa que esteja a considerar o crudivorismo ou mesmo uma dieta 100% à base de produtos integrais.

Parte 1
Parte 2

BeyondVeg.com
Para mais informação, o BeyondVeg.com (um site que apresenta uma crítica do dogma vegano crudívoro) criou uma lista de estudos e sumários revistos por pares sobre dietas crudívoras.

Becoming Raw
Para pessoas que querem ser crudívoras, o livro Becoming Raw, de Brenda Davis, RD e Vesanto Melina, MS RD, é uma excelente fonte de informação.

Referências

1. Koebnick C, Strassner C, Hoffmann I, Leitzmann C. Consequences of a long-term raw food diet on body weight and menstruation: results of a questionnaire survey. Ann Nutr Metab. 1999;43(2):69-79. PubMed PMID: 10436305.

2. Fontana L, Shew JL, Holloszy JO, Villareal DT. Low bone mass in subjects on a long-term raw vegetarian diet. Arch Intern Med. 2005 Mar 28;165(6):684-9. PubMed PMID: 15795346.

3. Wrangham R, Conklin-Brittain N. Cooking as a biological trait. Comp Biochem Physiol A Mol Integr Physiol. 2003 Sep;136(1):35-46. Review. PubMed PMID: 14527628.

4. Ganss C, Schlechtriemen M, Klimek J. Dental erosions in subjects living on a raw food diet. Caries Res. 1999;33(1):74-80. PubMed PMID: 9831783. (Abstract)

Este artigo foi útil?

Considera fazer
um donativo

A AVP é uma organização sem fins lucrativos. Com um donativo, estarás a ajudar-nos a a criar mais conteúdos como este e a desenvolver o nosso trabalho em prol dos animais, da sustentabilidade e da saúde humana.

Considera
tornar-te sócio

Ao tornares-te sócio da AVP, estás a apoiar a nossa missão de criar um mundo melhor para todos enquanto usufruis de inúmeros benefícios!

Queres receber todas as novidades?

Subscreve a newsletter AVP

Mais artigos em

Mais artigos em

Mais lidos

Subscreve

a Newsletter

Não percas um grão do que se passa!