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O direito à bebida vegetal, nas escolas, no âmbito do Programa de Leite Escolar

A Associação Vegetariana Portuguesa conduziu uma pesquisa com o objetivo de avaliar a aplicabilidade do Artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 55/2009, que estabelece a disponibilização de uma quota de 5 % de bebida vegetal, como alternativa ao leite de vaca, no âmbito do Programa de Leite Escolar. A lei em causa visa atender às necessidades de crianças que frequentam estabelecimentos de educação pré-escolar e do 1.º ciclo do ensino básico da rede pública, que, por motivos de saúde ou escolha pessoal, não consomem leite de vaca.  Este artigo apresenta uma análise detalhada dos resultados desta pesquisa, destacando informações-chave sobre a consciencialização e implementação do programa.
Escolas em Portugal Alunos têm direito a bebidas vegetais gratuitas, mas 54 % das escolas e dos encarregados de educação parecem não o saber

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Metodologia

Como resultado da disseminação de um questionário, foram inquiridas 182 pessoas, de entre as quais 169 indicaram representar entidades públicas responsáveis pelo pedido de aquisição do leite escolar. Destas, 46 (27 %) dizem respeito a agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas e 123 (73 %) representam municípios e autarquias, podendo-se concluir que a aquisição de leite e bebida vegetal em contexto escolar é, em grande parte, uma responsabilidade municipal. 

A pesquisa permitiu um melhor entendimento sobre a implementação do programa, incluindo nível de solicitação e distribuição de bebida vegetal, bem como a consciencialização sobre o Artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 55/2009.

A lei é do conhecimento dos cidadãos?

Um aspeto a destacar é a aparente falta de conhecimento sobre o Decreto-Lei n.º 55/2009, que prevê, entre outros, a disponibilização de uma quota de 5 % de bebida vegetal como alternativa ao leite de vaca. Dos 182 participantes, 98 (54 %) relataram considerar que este decreto-lei não é do conhecimento dos encarregados de educação e das escolas. Em detalhe, dos 49 agrupamentos de escolas que participaram na pesquisa, 24 (49 %) indicam existir tal desconhecimento, com o qual concordam 74 dos 133 (56 %) municípios e autarquias inquiridos. Por outro lado, 45 % das escolas e 40 % dos municípios referem que é do conhecimento dos visados, enquanto os restantes não souberam responder.  

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Disponibilização da bebida vegetal

Dos 182 participantes, 96 (53 %) denunciam que nenhuma unidade de bebida vegetal foi solicitada para distribuição às crianças no passado ano letivo (2022 – 2023). Em detalhe, 65 (49 %) do total de municípios e autarquias e 31 (63 %) dos agrupamentos de escolas indicaram não ter disponibilizado tais alternativas ao leite. Estes resultados sugerem que uma parcela significativa das entidades responsáveis pela aquisição do leite escolar não está a oferecer bebida vegetal como alternativa ao leite de vaca, potencialmente por não estar a ser requisitada.

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Testemunhos reais

O questionário distribuído permitiu recolher comentários anónimos diversos. Os seguintes testemunhos são alguns dos recolhidos e refletem as perceções e os desafios reais, por parte de municípios e agrupamentos de escolas, em relação à implementação do Programa de Leite Escolar, bem como o nível de conhecimento sobre a possibilidade de serem disponibilizadas, gratuitamente, bebidas vegetais às crianças que frequentam estabelecimentos de educação pré-escolar e do 1.º ciclo do ensino básico da rede pública:

“Importa melhorar a comunicação com os visados.” – Chefe de Divisão (DAF) de um município. Este testemunho destaca a necessidade de melhorar a comunicação com os envolvidos, como encarregados de educação e escolas. Isso sugere que a disseminação de informação sobre as opções de bebida vegetal é insuficiente.

“[Deviam] emitir informação: flyers destinados aos encarregados de educação.” –  Coordenador de estabelecimento de um agrupamentos de escolas. A sugestão de emitir informações dirigidas aos encarregados de educação é relevante. Folhetos informativos podem ser uma maneira eficaz de disseminar informações sobre o programa e as alternativas ao leite de vaca.

“É do conhecimento das escolas. Os encarregados de educação mostram-se surpreendidos quando têm conhecimento da alternativa.” – Nutricionista de um município. Este testemunho destaca uma disparidade entre o conhecimento das escolas e dos encarregados de educação. Ainda que as escolas possam estar cientes, os encarregados de educação não parecem ter, frequentemente, conhecimento acerca da alternativa disponível, evidenciando-se a importância de os municípios e as escolas transmitirem a informação aos encarregados de educação. 

“Há falta de informação e a necessidade de atestar medicamente a necessidade de substituição de leite de vaca.” – Diretor de estabelecimento de um agrupamento de escolas. Este testemunho ressalta a necessidade de informação adequada e, em alguns casos, a exigência de comprovativo médico para substituição do leite de vaca, o que pode ser uma barreira para muitas famílias e, no âmbito da legislação, não deve ser exigido.

“Não existe divulgação suficiente sobre o aqui questionado.” – Chefe de Divisão da Educação e Desporto de um município. A falta de divulgação adequada é uma preocupação recorrente nos testemunhos recolhidos, contribuindo para a falta de conhecimento sobre o programa e a legislação.

“Considera-se importante uma maior divulgação sobre a disponibilidade de bebida vegetal como alternativa ao leite.” – Técnica Superior da Divisão de Educação e Intervenção Social de um município. A necessidade de uma divulgação mais ampla é enfatizada novamente neste testemunho, destacando-se a importância de alcançar todas as partes envolvidas, incluindo municípios, escolas e comunidades escolares.

“Uma distribuição mais clara de informação à comunidade poderia resultar em maior solicitação de bebida vegetal.” – Nutricionista de um município. Esta citação enfatiza que uma divulgação mais clara das informações sobre as alternativas vegetais ao leite de vaca pode incentivar mais encarregados de educação a solicitar tais bebidas para os seus educandos. Isto destaca, uma vez mais, a necessidade de estratégias eficazes de comunicação que alcancem a comunidade escolar.

“Considero que esta informação ainda é pouco divulgada e do conhecimento da maioria dos encarregados de educação.” – Diretor de estabelecimento de um agrupamento de escolas. Esta observação reforça a ideia de que a falta de divulgação é um problema significativo. A maioria dos encarregados de educação não parece estar ciente das alternativas ao leite de vaca disponíveis, o que sublinha a necessidade de ações para aumentar o conhecimento acerca da lei.

“Seria interessante incluir, no nosso município, alternativas às bebidas vegetais. A maior dificuldade passa por saber qual a bebida vegetal, dentro da diversidade de oferta, ou seja, qual seria o tipo de leite vegetal adequado às faixas etárias em questão, para além dos aromas também eles diversos.” – Nutricionista de um município. Este testemunho ressalta a complexidade na escolha das bebidas vegetais, devido à diversidade de oferta. Isto indica que não apenas uma maior divulgação, como também a orientação de um profissional de saúde sobre as opções disponíveis, podem ser valiosas para os encarregados de educação e escolas. Ademais, o Decreto-Lei n.º 55/2009 poderia ser atualizado no sentido de fornecer um aconselhamento geral sobre a oferta adequada, tendo em conta as necessidades alimentares das crianças que frequentam os estabelecimentos de educação pré-escolar e do 1.º ciclo do ensino básico.

Os testemunhos dos inquiridos reforçam, assim, as descobertas da pesquisa em relação à falta de conhecimento sobre o programa, evidenciando-se lacunas na disseminação de informação e a complexidade na escolha das bebidas vegetais.

Estes aspetos podem estar a contribuir para que muitos alunos e encarregados de educação não estejam a usufruir da quota legislada de 5 % de oferta de bebida vegetal, no âmbito do Programa de Leite Escolar nacional, mesmo que tenham interesse. Por isso, é fundamental que as autoridades competentes adotem medidas para melhorar a comunicação, fornecer informações claras e simplificar o processo de escolha e de pedidos das bebidas vegetais para as crianças. 

A disseminação de informação e a simplificação de todo o processo (sem exigência de atestado médico, por exemplo) é essencial para que as crianças não se sintam discriminadas devido a restrições ou escolhas alimentares. 

As bebidas vegetais são saudáveis? 

A evidência disponível mostra que bebidas vegetais podem ser fontes de várias substâncias benéficas para a saúde, como gordura insaturada, incluindo ácidos gordos ómega-3 e ómega-6, fibra alimentar e antioxidantes, entre outros compostos. Atualmente, a grande maioria das bebidas vegetais é fortificada com cálcio, vitamina D, vitamina B12, vitamina B2 e vitamina D, entre outros nutrientes, contribuindo para o seu enriquecimento nutricional. Perante estes dados, recomenda-se que a distribuição de bebida vegetal no âmbito do Programa de Leite Escolar considere apenas a distribuição de bebidas vegetais fortificadas – em particular, de bebidas vegetais de soja, uma vez que são as únicas, entre as mais comercializadas no mercado português, com proteína de alto valor biológico (isto é, proteína completa que fornece todos os aminoácidos essenciais), semelhante à do leite, sendo que os sais de carbonato de cálcio adicionados na fortificação da bebida de soja são absorvidos com uma eficiência semelhante à do cálcio presente no leite de vaca.

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Bebidas vegetais são cada vez mais vendidas em Portugal

Em termos de mercado, a bebida vegetal é a categoria de produtos vegetais mais desenvolvida em Portugal, tendo registado um crescimento constante entre 2020 e 2022. Nesse período, observou-se um aumento de 12 % no número de unidades vendidas de bebidas de base vegetal e, por outro lado, uma queda nas vendas do leite de vaca. A bebida de soja, um derivado de leguminosa, esteve na frente desse aumento, tendo correspondido a 29 % das vendas em 2022, seguida da bebida de aveia (27 %) e da bebida de amêndoa (22 %).

Conclusão e discussão

A análise dos resultados permite concluir sobre a baixa solicitação de bebida vegetal, nas escolas em Portugal, e a existência de desafios na implementação do Programa de Leite Escolar e na disseminação de informação sobre o Artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 55/2009.

A quota para disponibilização de bebida vegetal é de apenas 5 %, mas parece não ser atendida em muitos dos casos que possivelmente teriam interesse em usufruir de tal direito, considerando, entre outros, os testemunhos recolhidos e o crescimento do mercado de bebidas vegetais em Portugal. 

Adicionalmente, é de notar que a alergia às proteínas do leite de vaca é uma das manifestações mais frequentes de alergia alimentar, com uma prevalência que varia entre 0,25 % e 4,9 %, com maior incidência em crianças do que em adultos. Assim, o leite sem lactose pode não ser uma alternativa para muitas crianças e jovens.

É de esperar que os encarregados de educação e as escolas estejam informados sobre as opções que atendem às necessidades alimentares das crianças, nomeadamente das que têm alergia à proteína do leite de vaca ou que, por razões de saúde, éticas, gustativas ou ambientais, optem por não consumir leite de vaca, não devendo ser excluídas do Programa de Leite Escolar por tais motivos. Devem, por outro lado, usufruir de alternativas nutritivas, tal como os seus pares nas escolas que frequentam. Assim, a falta de conhecimento sobre a possibilidade de oferta de bebida vegetal nas escolas, e as dificuldades burocráticas exigidas no âmbito do pedido das mesmas, é preocupante.

A partilha de informação clara sobre a oferta de bebida de base vegetal nas escolas portuguesas é fundamental para garantir que todas as crianças tenham acesso a uma alimentação inclusiva e adequada às suas necessidades. As autoridades competentes e as escolas devem trabalhar em conjunto para implementar as políticas de maneira eficaz, e garantir que todas as crianças sejam consideradas neste programa.

Esquema Escolar da União Europeia

O Esquema Escolar da UE é a política europeia que apoia o fornecimento de fruta, vegetais, leite e produtos lácteos às crianças em idade escolar, juntamente com atividades educativas sobre agricultura e hábitos alimentares saudáveis. No âmbito da revisão do Esquema, cuja publicação está prevista para o final deste ano, a Comissão Europeia está a considerar a possibilidade de alargar o âmbito dos produtos elegíveis a alternativas vegetais ao leite.

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