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Entrevista com Patrícia Zoio: Investigadora de Alternativas aos Testes em Animais

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Entrevistamos a Patrícia Zoio, estudante de doutoramento da Universidade Nova de Lisboa. Ela foi a vencedora do Prémio para Cientistas em Início de Carreira da PETA Consórcio Internacional de Ciência.

A Patrícia faz parte, desde 2016, do Laboratório de Diagnóstico Biomolecular, liderado por Abel González Olivado e parte do Instituto de Tecnologia Química e Biológica António Xavier. No seu projecto de doutoramento, a Patrícia está a desenvolver um modelo artificial de pele num chip que poderá substituir o uso de animais nos testes de fármacos dermatológicos.

Espreita todas as perguntas abaixo!

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Podes descrever-nos o teu projecto de doutoramento?

O meu projeto de doutoramento consiste em fabricar um dispositivominovador que permite crescer e manter pele humana sem usar qualquer produto de origem animal, recorrendo a tecnologias de ponta na área da microtecnologia e engenharia de tecidos. A este tipo de dispositivos dá-se o nome de “organ-on-a-chip” (“órgão em chip”) nos quais se tenta replicar a resposta fisiológica de órgãos humanos para testar fármacos e simular doenças. Alguns exemplos surpreendentes de dispositivos que estão a ser desenvolvidos no momento incluem um “pulmão em chip”, uma “placenta em chip” e até um “coração com batimento em chip”. Uma possibilidade entusiasmante é combinar diferentes “órgãos em chips” de forma a simular a complexidade do corpo humano, evitando-se assim o uso da experimentação animal e acelerando as descobertas científicas.

O que te levou a escolher este tema?

Este projeto consegue combinar várias paixões minhas num pequeno chip. Uma delas é a luta pelos direitos dos animais e de tentar fazer o meu melhor para minimizar a exploração animal. Outra é o meu enorme interesse por tecnologia de ponta. Desde muito nova que sempre fui uma enorme fã de ficção científica e sempre fantasiei em trabalhar em áreas que expandissem os limites do possível.  É um verdadeiro prazer poder realizar os meus sonhos e trabalhar numa área científica tão desafiante, mas levada a cabo de forma ética e direcionada para solucionar problemas concretos da sociedade.

Este projeto consegue combinar várias paixões minhas num pequeno chip. Uma delas é a luta pelos direitos dos animais e de tentar fazer o meu melhor para minimizar a exploração animal. Outra é o meu enorme interesse por tecnologia de ponta.

Na tua opinião qual é o contributo que o teu trabalho pode trazer para a sociedade?

O meu projeto, tal como outros que se focam em alternativas à experimentação animal procurando reproduzir a fisiologia dos órgãos humanos, não só são uma forma mais ética de se fazer ciência, como também têm o potencial de serem melhores modelos para desenvolver novos fármacos e compreender as doenças humanas. Atualmente, aproximadamente 9 em cada 10 fármacos que passam em testes com animais falham em humanos e torna-se cada vez mais óbvio que, para além da questão ética associada, a experimentação animal é uma prática antiquada que não responde às necessidades da ciência moderna. Primeiramente, existem claras diferenças entre humanos e animais (não-humanos) no que diz respeito à nossa anatomia, fisiologia e metabolismo o que faz com que a informação obtida através deste tipo de experimentação não seja totalmente fiável e que tenha uma utilidade limitada para o progresso da saúde humana. Para além disso, os modelos de doença em animais são induzidos de forma extremamente artificial e, em grande parte das vezes, não mimetizam realmente as patologias humanas. Um dos casos mais evidentes é o Alzheimer, uma doença caracterizada pela acumulação de placas de proteínas beta-amilóide no cérebro, a qual não ocorre naturalmente em ratos. Para se dar a volta a esse problema, investigadores criaram ratos geneticamente modificados que desenvolviam essas placas tendo-se, seguidamente, testado fármacos que as conseguiam remover com um enorme sucesso. No entanto, quando testaram os mesmos fármacos em humanos, estes não só não melhoraram os sintomas da doença de Alzheimer como, em muitos casos, levaram a um declínio cognitivo e a uma diminuição da massa cerebral!  Casos trágicos como este mostram claramente as limitações da experimentação animal e torna ainda mais evidente a necessidade de produzir alternativas.

Eu penso que a tua área de investigação (arranjar alternativas aos testes em animais) é relativamente recente. Concordas?

Sim, o desenvolvimento de alternativas à experimentação animal é uma área relativamente recente especialmente porque se baseia em tecnologias inovadoras como métodos computacionais complexos, órgãos em chips e engenharia de tecidos. Felizmente, noto um claro crescimento no desenvolvimento destes métodos alternativos e pude observar isso mesmo recentemente quando fui a um workshop em Itália intitulado “Alternativas à experimentação animal: desafios e direção futura”. Este workshop foi organizado pelo Centro Comum de Investigação que o é serviço científico interno da comissão europeia, responsável por fundamentar as políticas da EU através de aconselhamento científico independente. Foi-nos mostrado que a comissão europeia está empenhada na proteção do bem-estar animal e que tem havido uma tentativa por parte do quadro jurídico da EU de estabelecer requisitos progressivamente mais rigorosos nessa área. Durante o workshop tive o prazer de ver os esforços crescentes que têm sido feitos por investigadores de toda a Europa para podermos reduzir a experimentação animal e, no futuro, vir mesmo a substitui-la totalmente. A chave está em unirmos os nossos esforços e integrar as várias tecnologias de ponta existentes de forma a poder-se responder às questões complexas da anatomia e fisiologia humana.

Atualmente, aproximadamente 9 em cada 10 fármacos que passam em testes com animais falham em humanos e torna-se cada vez mais óbvio que, para além da questão ética associada, a experimentação animal é uma prática antiquada que não responde às necessidades da ciência moderna.

Em Portugal, sabes se existe uma comunidade grande de cientistas a trabalhar nesta área?

Não tenho dados concretos sobre a quantidade de cientistas a trabalhar em alternativas à experimentação animal em Portugal mas, pela troca de experiências com outros investigadores portugueses parece-me que, direta- ou indiretamente,  há um trabalho significativo a ser feito nesta área especialmente no que diz respeito à utilização de engenheira de tecidos , por exemplo,  para estabelecer modelos de cancro utilizando células humanas. Também é interessante notar que recentemente o conselho europeu de inovação, o qual premeia tecnologias emergentes e do futuro, atribui financiamento a projetos europeus que incluem a participação de instituições científicas e empresas portuguesas sendo grande parte delas na área de organ-on-chips e de modelos celulares tridimensionais usando células humanas.  Acredito que, no geral, veremos um crescimento da comunidade de cientistas a trabalhar em alternativas à experimentação animal nos próximos anos.

O teu trabalho é financiado por alguma instituição ou por algum projecto (bolsa de doutoramento FCT, projecto FCT ou pela universidade)?

A minha bolsa de doutoramento, no âmbito do programa doutoral AIM (Advanced integrated microsystems), é financiada pela FCT. O trabalho experimental é financiado pelo laboratório de Diagnóstico Biomolecular (ITQB-NOVA/IBET).

Quais são os teus objectivos a longo prazo? Tens ideia do que queres fazer depois de terminares o teu doutoramento?

Não tenho o hábito de traçar objetivos a longo prazo. Estou focada no momento presente em dar o meu melhor para desenvolver um projeto que eu sinta que é de facto um avanço científico e que tenha um impacto positivo na sociedade. Quando terminar esta fase, terei que reorganizar a minha mente, avaliar as possibilidades e pensar nas opções que levarão a um maior crescimento pessoal. No entanto, tenho a certeza que nunca abandonarei os meus esforços pela defesa dos direitos dos animais e pela minha tentativa de, ainda que a uma escala muito pequena, minimizar o sofrimento no mundo.

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