Segundo o atual PNEC 2030, é necessária a “promoção de uma dieta diversificada, incluindo a redução do consumo de proteínas de origem animal e promoção de consumo de alternativas proteicas de base vegetal”.
Entre as medidas previstas estão:
- Criação de uma estratégia nacional para promover o consumo de proteína vegetal, nomeadamente de leguminosas, como abordagem integradora para assegurar a autossuficiência de proteaginosas e a soberania alimentar;
- Capacitação formativa e reforço de oferta de refeições de base vegetal nas cantinas públicas;
- Promover campanhas de divulgação acerca dos benefícios do consumo das proteínas vegetais;
- Promover a implementação de cadeias curtas agroalimentares.
Estas ações são essenciais para alinhar o setor agrícola às metas definidas nos Orçamentos de Carbono para o período 2021-2030, agora em consulta pública aqui, onde a agricultura (incluindo combustão) tem os seguintes limites: 40,5 Mt CO2eq (dióxido de carbono equivalente) no período 2021-2025; 24,0 Mt CO2eq no período 2023-2025; 37,9 Mt CO2eq no período 2026-2030.
Embora a definição destas metas esteja contemplada no Effort Sharing Regulation (regulamento da política climática da União Europeia), o progresso tem sido limitado. Entre 2005 e 2022, as emissões agrícolas não-CO2 na União Europeia diminuíram apenas 5%, e há previsões de aumento cumulativo até 2030 com base nas políticas atuais. Este cenário evidencia a urgência de ações adicionais, como promoção de dietas de baixo carbono, que Portugal incluiu no seu PNEC 2030.
No caso português, e segundo o Inventário Nacional da Agência Portuguesa do Ambiente, a agricultura em Portugal foi responsável por 12,3% das emissões de GEE em 2022 (essencialmente metano e óxido nitroso), com uma redução de 5,3% nas emissões desde 1990, impulsionada pela queda na criação de certos animais de pecuária e pelo uso mais reduzido de fertilizantes. No entanto, entre 2011 e 2021, as emissões aumentaram 6,8%, devido à intensificação da criação de animais de pecuária (bovino não leiteiro, ovinos e aves).
A fermentação entérica (inerente ao processo digestivo de ruminantes) foi responsável, em 2022, por 80,2% das emissões de metano do setor agrícola, e a gestão de efluentes pecuários por 16,6%. Numa escala de tempo de 100 anos, o metano tem um potencial de aquecimento global 28 vezes superior ao do dióxido de carbono e 84 vezes superior numa escala de tempo de 20 anos. As emissões de óxido nitroso, por sua vez, são dominadas pela criação de aves, com 52,6%, e gado, com 37% (gado leiteiro – 24%, gado não leiteiro – 13,0%).
Padrões alimentares de base vegetal podem reduzir emissões de GEE em até 50% (Hallström et al., 2015)1 e promover benefícios de saúde, como a redução da mortalidade associada à alimentação (Springmann et al., 2016)2. A aposta em alimentos de origem vegetal será crucial para que Portugal atinja as metas nacionais, como os 156,8 Mt CO₂eq previstos no total nacional excluindo LULUCF no período 2023-2025, e os 215,9 Mt CO₂eq entre 2026 e 2030.
Portugal possui uma forte base cultural na Dieta Mediterrânica, que prioriza os alimentos de origem vegetal. Mas a insuficiência no consumo de leguminosas, hortícolas, fruta e frutos oleaginosos, a par com o excesso de consumo de produtos de origem animal, é o maior desafio alimentar atual que nos distancia das Dieta Mediterrânica. Segundo a Direção-Geral da Saúde, apenas 26% da população portuguesa adere a este padrão alimentar.
Para além dos benefícios para a saúde e ao nível da redução de emissões, dietas que privilegiam alimentos de origem vegetal apresentam um enorme potencial de sequestro de carbono.
O uso extensivo de solo para atender ao consumo alimentar atual gera um “custo de oportunidade de carbono”, dada a possibilidade de sequestro carbónico por meio do restauro de ecossistemas. Um estudo de 2021 mostrou que uma produção alimentar global alinhada com dietas de base vegetal poderia levar, até 2050, ao sequestro de 332-547 GtCO2, o equivalente a 99-163% do orçamento de emissões de CO2, compatível com uma probabilidade de 66% de limitar o aquecimento a 1,5 °C (Hayek et al., 2021).3
Sabe-se que o restauro de ecossistemas nativos, incluindo florestas, tem o potencial de remoção de CO2 atmosférico. No entanto, o restauro de ecossistemas é amplamente limitado pelos requisitos de terra para a produção de alimentos. Segundo o estudo, o custo total de oportunidade de carbono da produção agrícola animal é de 152,5 (94,2-207,1) GtC em biomassa vegetal viva. Nos países mais desenvolvidos, onde a procura por alimentos de origem animal é elevada mas está a estabilizar, o custo total de oportunidade de carbono da produção de alimentos de origem animal é de 32 GtC, aproximadamente o mesmo que as emissões domésticas de combustíveis fósseis desses países num intervalo de tempo de 9 anos (Hayek et al., 2021).3
A produção de leguminosas, em particular, desempenha um papel essencial para o sequestro de carbono no solo, graças à sua capacidade de: a) Fixar o azoto atmosférico no solo, quando utilizado como cultura de rotação como adubo verde, reduzindo a necessidade de fertilizantes químicos azotados e as emissões associadas à sua produção; b) Armazenar até 30% mais carbono orgânico no solo em comparação a outras culturas (Kumar et al., 2018).4
As leguminosas protegem igualmente contra a erosão do solo e contribuem para o aumento da biomassa microbiana, promovendo uma maior biodiversidade do solo.
Um maior incentivo à cadeia de valor da proteína vegetal, alinhado com a nova linha de atuação 6.9 do PNEC 2030, pode ser integrado nos Orçamentos de Carbono e associado tanto à monitorização do carbono orgânico no solo como à adoção de técnicas agrícolas sustentáveis. Aumentar a produção e a atratividade de leguminosas pode contribuir para que a agricultura em Portugal atinja reduções compatíveis com o objetivo de manutenção do sumidouro líquido.
Práticas como o Carbon Farming podem ser implementadas com leguminosas, promovendo créditos de carbono associados ao sequestro em biomassa e solos. Isto permite que os agricultores: a) Transformem as suas terras em sumidouros líquidos; b) Obtenham créditos de carbono; c) Alinhem práticas produtivas com as metas climáticas, contribuindo para os Orçamentos de Carbono nacionais.
O setor LULUCF envolve tanto a emissão como a remoção de CO2. O seu efeito no ciclo do carbono é influenciado por vários fatores, tais como o tipo e a quantidade de biomassa no âmbito do uso do solo (por exemplo, árvores florestais, cultivo de leguminosas ou ausência de biomassa). A introdução de leguminosas em sistemas agrícolas contribui para o fortalecimento do papel de sumidouro líquido do LULUCF ao: a) Aumentar o stock de carbono nos solos agrícolas; b) Melhorar a resiliência dos solos contra a erosão e a perda de matéria orgânica, garantindo a sua capacidade de sequestrar carbono a longo prazo.
Em Portugal, as leguminosas podem também desempenhar um papel estratégico na dinamização socioeconómica, especialmente quando consideradas numa cadeia de valor ampliada. Produtos alimentares transformados à base de proteína vegetal, como farinhas, snacks, patés, bebidas vegetais, produtos fermentados, entre outros, representam uma oportunidade para o surgimento de oportunidades económicas locais, promovendo a inovação e ampliando o valor agregado.
Referências
1 Hallström, Elinor & carlsson kanyama, Annika & Börjesson, Pål. Environmental impact of dietary change: A systematic review. Journal of Cleaner Production. 91. (2015). 10.1016/j.jclepro.2014.12.008.
2 M. Springmann, H.C.J. Godfray, M. Rayner, P. Scarborough, Analysis and valuation of the health and climate change cobenefits of dietary change, Proc. Natl. Acad. Sci. U.S.A.113 (15) 4146-4151 (2016). https://doi.org/10.1073/pnas.1523119113
3 Hayek, M.N., Harwatt, H., Ripple, W.J. et al. The carbon opportunity cost of animal-sourced food production on land. Nat Sustain 4, 21–24 (2021). https://doi.org/10.1038/s41893-020-00603-4
4 Kumar, S., Jakhar D.S., Singh, S. (2018). Growth and yield response of mung bean (Vigna radiata L.) in different levels of potassium. Acta Scientific Agriculture. 2: 6. (ISSN: 2581- 365X).