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Sector Agrícola (Incluindo Pecuária) Responsável Por 75% do Uso de Água

Portugal atravessa um dos períodos mais críticos de que há registo meteorológico. Como noticia o site tempo.pt, “atualmente, a situação de seca em Portugal é bastante preocupante e caso não se verifique precipitação no mês de fevereiro muito acima do normal, 2022 pode vir a ser um dos anos mais secos de toda a série meteorológica existente”.

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Para isso, terá contribuído o facto de o passado mês de Janeiro ter sido o sexto mais seco desde 1931 (o primeiro mais seco, de que há registo, terá sido em 1935). Ainda de acordo com o IPMA, Janeiro de 2022 foi o segundo mais seco desde 2000 (o mais seco foi em 2005). 

A 31 de Janeiro, todo o território português estava em seca. Conforme informação do mesmo Instituto, 1% do território encontrava-se “em seca fraca, 54% em seca moderada, 34% em seca severa e 11% em seca extrema”. Esta situação só poderia reverter-se caso ocorresse uma precipitação muito acima da média.

Não é de estranhar, portanto, que as notícias sobre este assunto comecem a ser mais frequentes e, até, alarmantes.

Em que é utilizada a água em Portugal? 

De acordo com uma investigação da Fundação Gulbenkian, de 2021, inserida no Programa Gulbenkian para o Desenvolvimento Sustentável, em Portugal, o sector agrícola é responsável pela utilização de 75 % de toda a água fresca disponível. Abaixo resumimos algumas das ideias chave deste estudo.

1. Temos de nos preparar para cenários de escassez nas próximas duas décadas

Além da situação de seca noticiada nestas últimas semanas, num horizonte até 2040, é muito provável que Portugal se venha a deparar, não apenas com a seca meteorológica – “que decorre de um défice anormal de precipitação” –, mas igualmente, com uma situação de escassez ou stress hídrico – “o que pressupõe uma procura acima das disponibilidades de água acessível e com qualidade, numa determinada área ou região1”. Essa é, aliás, a projecção do World Resources Institute2 [WRI – Instituto Mundial de Recursos], que classifica Portugal, juntamente com outros 25 países, com o risco elevado no que respeita “à gestão de gerir água com qualidade, na resposta às necessidades do país3.

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Figuras 1 e 2: retiradas do estudo “O uso da água em Portugal – olhar, compreender e actual com os protagonistas chave” (pp. 30 e 31). 

Nesta circunstância de risco elevado de stress hídrico, o consumo de água representa entre 40 e 80% das disponibilidades médias anuais do país. Com estes níveis de cobertura, “os países ficam vulneráveis a flutuações decorrentes de secas ou aumentos no padrão de consumo”, alerta o WRI4.

Esta situação já se observou em algumas cidades, como na Califórnia, Roma, Cidade do Cabo e, mais recentemente, Chennai (Índia), onde se decretou o ‘Dia Zero’ – expressão encontrada para caracterizar uma situação de escassez de água, de tal modo grave, “que as autoridades devem desligar o abastecimento de água e implementar medidas de racionamento no acesso ao recurso5.

Em Portugal, a situação é de alerta! 

Se os últimos 20 anos foram particularmente pouco chuvosos, registando-se secas mais frequentes, mais prolongadas e mais abrangentes, os dados disponíveis pelo Portal do Clima6 ratificam este estado de alerta, ao apontarem “para uma evolução negativa da precipitação no território que pode chegar a reduções entre os 15 e os 30%, a sul do País”.

Perante o exposto, e tendo em consideração o que está a acontecer em Portugal no que à seca concerne, neste momento, a questão já não é a de reverter a situação, mas sim a de como mitigar desperdícios e questionar os diferentes usos que são dados a este recurso, limitado por natureza”.

2. A agricultura é o grande sorvedouro de água

Não se pode falar de agricultura, sem se falar de água”.

Em Portugal, o sector agrícola (incluindo a pecuária) é responsável por 75% do total de água utilizada no país, conforme foi apurado pelo estudo da Fundação Gulbenkian7.

Esta percentagem tão elevada deve-se ao facto de a agricultura em Portugal ser, numa percentagem crescente8, agricultura de regadio, ou seja, o tipo de agricultura que necessita da rega durante o ciclo de produção para garantir a colheita. 

Acresce que, por um lado, em Portugal, a estação mais quente do ano coincide com a estação mais seca, sendo a rega a forma de compensar a escassez de chuva, garantindo a produtividade das culturas e a competitividade do sector.

Se as percentagens do consumo total de água são elevadas na agricultura em Portugal, quando o assunto é o seu desperdício, os valores também são, diríamos, assustadores.

Em 2009, por exemplo, e “de acordo com o Plano Nacional de Uso Eficiente de Água (PNUEA) (2012-2020), o sector agrícola era aquele onde se registava a maior % de desperdício, no total de água consumida – 37,5%9

Este desperdício está relacionado com as práticas da rega e com a forma como esta é percepcionada pelos próprios agricultores.

De entre os diversos sistemas de rega utilizados em Portugal, o sistema gota-a-gota é o mais eficiente em termos de rega, estando o sistema por gravidade na situação oposta em termos de eficiência. Se, de acordo com o estudo da Gulbenkian, é já uma maioria (65% dos respondentes) que recorre ao sistema mais preciso, ainda assim, 11% dos agricultores inquiridos abrem a torneira ou comporta para deixar a água escorrer pela terra.  

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Figura 3, retirada do estudo “O uso da água em Portugal – olhar, compreender e actual com os protagonistas chave” (pág. 54). 

3. Um pacto para a água

A certificação enquanto validação de boas práticas

Como se refere no estudo em foco10, “a certificação, enquanto garantia de avaliação de requisitos, é comum no sector agrícola”, quer seja para ter acesso aos apoios comunitários, quer seja para colocar os produtos no mercado, como é o caso dos produtos biológicos, ou vegetarianos/veganos.

Tendo em conta que grande parte dos agricultores tem pelo menos uma certificação, esta poderia ser uma estratégia para a mudança que urge. Na linha das práticas sustentáveis, o Global GAP [Good Agricultural Practices – Boas práticas na Agricultura]11“criou recentemente uma certificação adicional associada à água – Spring Add-on (Sustainable Program for Irrigation and Groundwater Use), já em uso em Espanha, por exemplo”.

Como se refere no estudo, a partir de um referencial internacionalmente reconhecido, poderia criar-se um processo de adopção de um novo padrão para o uso eficiente da água na agricultura. Ademais, este poderia ser o modo de informar o consumidor final, isto é: dar a saber ao cidadão comum se os produtos que está a adquirir resultam de uma agricultura sustentável, também no que à água concerne. 

4. A água para o cidadão comum: uma valorização pouco consequente para a maioria 

A situação de seca meteorológica actual, pela qual a Península Ibérica está a passar, tem sido amplamente noticiada. Seria, por isso, de esperar que a seca fosse percebida como o mais grave problema para o país e para os seus habitantes. 

Segundo os dados do estudo da Fundação Gulbenkian, em 2020, 59% das pessoas inquiridas  afirmam que, de facto, a seca era o problema mais grave que Portugal enfrentava ou poderia vir a enfrentar.

No entanto, apesar dos factos, de acordo com o mesmo estudo, a preocupação com a falta de água é mais uma percepção do que uma certeza. Ou seja, em resposta à pergunta sobre uma menor existência de água disponível, para 46 % dos cidadãos comuns é mais “um parece-me que sim” do que “uma certeza” (24%).

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Figura 4, retirada do estudo “O uso da água em Portugal – olhar, compreender e actual com os protagonistas chave” (pág. 134). 

Na perspectiva do grupo de investigação que levou a cabo o estudo que temos vindo a focar, a falta de informação é um dos problemas para a implementação de um plano de ‘eficiência hídrica’. A título de exemplo, a maioria do cidadão comum não tem ideia de que a maior percentagem do uso da água é atribuída à agricultura – “70% dos inquiridos [do estudo em questão] estaria muito longe de imaginá-lo12”. Por outro lado, se “20% do total de água usada no país diz respeito ao consumo urbano13”, observa-se aqui uma oportunidade de poupança que deve ser alvo de sensibilização e informação. 

Neste sentido, podemos e devemos reflectir sobre como melhor responder à questão dos mesmos investigadores: “Quais os impactos e o que podemos fazer, individual e colectivamente, para mitigar os efeitos dessa ameaça?”

5. Escolhas na alimentação – Considerar a eficiência hídrica como critério

Se em muitas práticas do dia-a-dia se evidencia uma preocupação comum com o gasto e desperdício de água, sobretudo no uso doméstico (ex. tomar duches curtos), no que toca à selecção dos produtos de consumo alimentar, o uso de água é um ‘não problema’ para o cidadão comum14.

Segundo o estudo da FG, a ‘pegada hídrica’ ainda está longe de ser um conceito reconhecido pelo cidadão comum. Este conceito de 2002, “é um indicador do uso de água doce por unidade de tempo, por pessoa, produto ou serviço, incluindo todos os consumos associados direta e indiretamente”.

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Figura 5, retirada do estudo “O uso da água em Portugal – olhar, compreender e actual com os protagonistas chave” (pág. 188).

Questionaram-se os inquiridos sobre a existência de um eventual selo, nas frutas e vegetais de origem portuguesa, capaz de comprovar a eficiência do uso de água para a sua produção. Ainda que 43% tenha indicado que compraria o produto desde que não fosse mais dispendioso, 1 em cada 5 pessoas aceitaria mesmo pagar um preço um pouco mais caro. Tornar o critério de sustentabilidade visível ao consumidor, no momento de compra, poderia ser uma forma de sensibilizar para uma escolha informada. 

Contudo, mesmo que o uso eficiente de água possa influenciar a escolha do consumidor entre produtos equivalentes, levantam-se questões sobre a real relevância deste assunto para as decisões alimentares de cada um. Conforme se verifica na figura abaixo, 1 em cada 2 dos inquiridos refere que, de facto, saber isoladamente os litros de água necessários à produção de um alimento não seria suficiente para influenciar a decisão de compra. 

Assim, mesmo que a informação sobre a pegada hídrica dos alimentos estivesse disponível, metade dos inquiridos do estudo não se mostraria influenciado por tal.

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Figura 6, retirada do estudo “O uso da água em Portugal – olhar, compreender e actual com os protagonistas chave” (pág. 192).

Uma medida que reconhecesse e transmitisse ao consumidor o impacto ambiental do produto adquirido estaria em linha com o que se verifica, por exemplo, na Suécia, onde existem estabelecimentos comerciais que indicam a pegada ecológica de cada produto.  

Adicionalmente, ainda que os dados comprovem que a produção de alimentos de origem animal seja responsável por um uso superior de recursos e emissões de gases de efeito de estufa, em Portugal, e de acordo com o estudo da FG, a questão da  sustentabilidade ainda não manifesta substancial impacto no consumo de carne. 

As questões relacionadas com a saúde ou o preço do produto são os principais factores para essa decisão, como se pode ver na figura seguinte: 

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Figura 7, retirada do estudo “O uso da água em Portugal – olhar, compreender e actual com os protagonistas chave” (pág. 173).

Com efeito, de acordo com um estudo publicado na revista Acta Portuguesa de Nutrição, “estima-se que uma vaca que consuma 1 300 kg de ração e 7 200 kg de forragem, irá precisar de 24 000 litros de água para se hidratar e de 7 000 litros para a limpeza geral. Assim, para a produção de 1 kg de carne bovina são necessários 15 500 litros de água”.

Paralelamente, o volume de água necessário para a produção de leguminosas é incomparavelmente inferior à pegada hídrica da carne: 88% a menos do volume de água. Ou seja, para se produzir um kg de leguminosas gastam-se cerca de 4 005 litros de água.

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Gráfico incluído no artigo de revisão: “Água: A Pegada Hídrica no Setor Alimentar e as Potenciais Consequências futuras”
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Ilustração de Mónica Milheiro que retrata o diferencial de uso de água da produção de leguminosas versus produção de um bife de vaca.

6.  Despertar Consciências: O que podes fazer no teu dia-a-dia

O processo de consciencialização para a água ganha escala e torna-se mais consequente quando as mensagens são massivamente difundidas, questionadas, debatidas e partilhadas15

É por isso que também aqui estamos e é, também, por isso, que te convidamos a partilhar estas e outras ideias e iniciativas. 

Em termos individuais há várias coisas que cada um de nós pode fazer em casa. Além das sugestões que encontras aqui, para redução da tua pegada hídrica, podes ainda calcular aqui a tua pegada hídrica. Desse modo, terás mais elementos e informação acerca de como a reduzir. 

Se, na agricultura, o sistema de rega gota-a-gota é o mais eficiente, quem sabe se cada um de nós, cada gota de nós, se una de tal modo que nos transforme no oceano necessário à mudança.

Artigo da autoria de Ana Luísa Pereira

[1] Pág. 25 do estudo da Fundação Gulbenkian, FG.

[2] Nota de rodapé da pág. 31 do estudo da FG: “World Resources Institute (WRI) é uma organização global de estudos que se dedica à análise evolutiva e prospectiva dos recursos naturais do planeta, nomeadamente através do desenvolvimento de plataformas de dados que permitem comparar países e regiões (como é o caso das plataformas Aqueduct)”.

[3] As figuras 1 e 2 são retiradas das páginas 30 e 31 do Estudo da Gulbenkian (uma adaptação da informação retirada do site do WRI.

[4] Pág. 31 do estudo da FG.

[5]  Idem, ibidem.

[6] Nota de rodapé da pág. 35 do Estudo da FG sobre o Portal do Clima – “Portaldoclima.pt é um projecto da responsabilidade do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) que tem por objectivo disponibilizar informação que permita contribuir para o aumento de consciencialização e educação em alterações climáticas”.

[7] Pág. 39 do estudo da FG.

[8] Pág. 42 do Estudo da FG: “De acordo com os dados de 2016, a área agrícola regada em Portugal correspondia aproximadamente à região do Algarve (5% do território nacional), sendo o acesso à água, na sua maioria, feito de forma privada (por furos, charcas ou barragens dos agricultores). Mais recentemente, o Programa Nacional de Regadio (2019-2022) prevê um novo aumento do regadio público, muito por via da expansão da área beneficiada pelo Alqueva, ou seja, com acesso à água da barragem”. Tanto mais que “as explorações predominantemente de regadio obtêm, em média, um valor de venda da sua produção, por hectare, seis vezes mais elevado do que as explorações predominantemente de sequeiro”.

Apesar deste programa prever uma evolução socioeconómica para a região beneficiada pelo Alqueva, surgem algumas questões relacionadas com os impactos ambientais, como alerta Afonso de Ó, um dos especialistas consultados pelos investigadores do estudo da Gulbenkian, aqui em foco.

[9] De acordo com o Estudo da FG (pág. 46), o objectivo do PNUEA seria reduzir o desperdício hídrico na Agricultura para 35%, bem como para 20% o desperdício Urbano e para 25% o Industrial, entre 2021 e 2020. No entanto, à data da publicação do estudo da FG, os dados sobre esses objectivos ainda não estavam disponíveis, pelo que não é possível fazer comparações – quando entramos no site do PNUEA, a informação sobre o assunto está sobretudo dirigida para o domínio da descrição e planificação. Em relação a este assunto do desperdício, nomeadamente o urbano, é de salientar o que se passa em alguns municípios, como é o caso concreto de Paços Ferreira. No passado dia 10 de Fevereiro veio mais uma vez a público o facto de os comerciantes gastarem mais água de forma propositada, para, desse modo, não pagarem o saneamento. Ou seja, os comerciantes como que são estimulados a aumentar o seu gasto da água, para diminuírem o valor final da sua factura da água.

[10] Página 112 do mesmo estudo.

[11] Pág. 112 do Estudo da Gulbenkian: “Criada em 1997, a Global GAP é utilizada por todo o mundo, sendo uma referência enquanto certificação de uma agricultura sustentável. A sua motivação de base é a segurança alimentar, pelo que é muito comum entre frutas e hortícolas. Contudo, contando com mais de 20 anos de existência, tem vindo a progredir no raio de análise e no rigor de medição”.

[12] Pág. 185 do Estudo da Gulbenkian.

[13] Pág. 146 do Estudo da Gulbenkian.

[14]Idem, pág. 185.

[15] Pág. 199 do Estudo da Gulbenkian.

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