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Será Que os Insectos Sofrem? Uma Exploração

Será Que os Insectos Sofrem? Uma Exploração
Será Que os insetos sofrem - uma exploração

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Naturalmente que a questão da dieta alimentar é crucial, sendo certo que as dietas que incluem alimentos de origem animal são as menos favoráveis, no que ao combate às alterações climáticas concerne. Tal como a AVP tem vindo a alertar, a indústria agropecuária é, não só uma das mais poluentes, particularmente, em todo o processo de criação e ‘produção’ pecuária, como aquela que exige maior volume de recursos num planeta que, pelo menos por agora, não tem substituto.

Esta eventual substituição, ou diminuição, do consumo dos produtos da agropecuária e pescas é uma das discussões actuais. Se para a generalidade das pessoas que seguem uma dieta alimentar de base vegetal, a questão não se coloca de todo, para as demais começa a ser tema de reflexão. 

Os estilos de vida que integram o vegetarianismo e, mais ainda, o veganismo, têm como princípio o de evitar o sofrimento de qualquer ser senciente. É por isso que nos continuamos a perguntar até onde pode ir o desrespeito do Homo Sapiens Sapiens pela vida em geral. Não apenas pela sua própria espécie (as guerras assim o demonstram e são ‘apenas’ um exemplo), mas por quaisquer outros seres que se interponham aos seus desejos e anseios. 

Não afirmamos que os insectos serão as próximas vítimas, uma vez que os insectos são, provavelmente, os seres mais perseguidos do planeta

A extensão do nosso ‘insectídeo’ é de tal ordem, que vivemos numa época em que os insectos estão a desaparecer da natureza a um ritmo alarmante. A título de exemplo, nos últimos 25 anos, desapareceram três quartos dos insectos voadores nas reservas naturais alemãs. Além disso, num relatório recente demonstrou-se que é, de facto, deveras preocupante o número de espécies em vias de extinção: cerca de 400 000 espécies estão em perigo.

Para piorar ainda mais esta situação, aumentando o desequilíbrio dos ecossistemas, os indícios de que os substitutos da carne e do peixe poderão ser os insectos são crescentes. De facto, os produtos à base de insectos vão ganhando espaço nas prateleiras dos supermercados, sendo que há já muito que integram a dieta alimentar de vários países asiáticos, como a Tailândia, Vietname, Camboja e Malásia.

Face a esta (já não apenas hipotética) possibilidade de considerar também os insectos como produtos comestíveis, a reflexão e o debate acerca da sua sensibilidade à dor crescem. 

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Acerca de sofrimento nos insectos

Será que os insectos sofrem?

Sabemos que este tema não é pacífico. Tanto mais que a generalidade dos humanos tem sido educada para tratar os insectos com indiferença, desdém e desprezo. Ainda são muitas as crianças que se divertem a fazer campeonatos e a ver quem consegue eliminar mais moscas ou formigas em menos tempo. Esmagar e prender os insectos sem pensar duas vezes, é comumente aceite, devido ao facto de serem considerados um incómodo, em vez de seres com direito a viver as suas vidas. 

É provável que esta nossa atitude face aos insectos se deva ao facto de sempre termos escutado que estes não podem sentir emoções como nós, sendo-nos dito igualmente que eles são incapazes de sentir dor. Mas será realmente assim?

Será conveniente começar por distinguir entre ‘sentir dor’ – uma experiência subjectiva negativa, complexa e multifacetada: esta abrange sentimentos como o desconforto e o desespero, e também a  ‘nocicepção’ – definida como o mecanismo sensorial que permite aos animais sentir e evitar estímulos potencialmente danosos aos tecidos. Todos os organismos têm alguma forma de nocicepção, mesmo as bactérias. 

Ainda que esteja provado que os insectos exibem este mecanismo sensorial nociceptivo, ainda não há provas de que eles sintam a dor do mesmo modo que os humanos sentem.

Em nosso entender, importa reflectir sobre esta última ideia – a de que partimos da nossa experiência como termo de comparação. Se existem outras linguagens e formas de comunicar entre os outros animais, porque não admitir que existam outras maneiras de experienciar aquilo que nós, os humanos, consideramos ser dor e desconforto?

Na verdade, segundo o Professor Elwood, professor emérito da escola de ciências biológicas da Universidade de Queen, Belfast, não existe qualquer forma de medir directamente a experiência subjectiva da dor em qualquer ser, incluindo humanos. Como a dor é uma experiência privada e subjectiva, é difícil determinar como cada espécie animal sente a dor. Alguns filósofos sugerem a utilização do “argumento por analogia” para responder a esta questão. 

De acordo com o Professor Elwood, aceitamos que os outros mamíferos, por exemplo, sentem dor, dado que o seu sistema nervoso e respostas aos estímulos são muito semelhantes aos dos humanos. Isso, associado ao facto de a sua aparência ser mais próxima da nossa, contribui para que sintamos mais empatia e compaixão por muitos mamíferos. 

No entanto, vários peritos salientaram que as diferenças na composição dos insectos não implicam necessariamente uma diferença na capacidade de dor.

Investigadores analisaram a forma como os insectos reagem às lesões e chegaram à conclusão de que existem provas suficientes para aceitar que os insectos sintam algo semelhante ao que os humanos classificam como dor.

Da nocicepção aprendida e outras aprendizagens

De acordo com alguns estudos, os insectos respondem a estímulos prejudiciais com uma variedade de comportamentos inibitórios. Além disso, os estímulos nocivos, como o choque eléctrico, promovem a aprendizagem, demonstrando, assim, que este mecanismo sensorial é um comportamento aprendido e um elemento de motivação para evitar o que nós designamos de dor e desconforto.

Os insectos também exibem algo a que se chama de “desamparo aprendido”. Segundo os resultados de estudos sobre este comportamento nos insectos, levados a cabo por autores citados aqui, houve grupos de insectos que foram capazes de escapar a um choque eléctrico.

Com efeito, estudos comportamentais têm demonstrado que os insectos têm capacidades de aprendizagem impressionantes. Os insectos sociais, por exemplo, mostram formas sofisticadas de plasticidade comportamental semelhantes à aprendizagem observacional e numeracia, evidenciando ainda estados emocionais complexos. 

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As baratas são altamente sociáveis e copiam o comportamento dos seus pares, tal como os humanos o fazem (Crédito: Alamy)

Adicionalmente, os insectos sociais são justamente famosos pelas suas capacidades de comunicação, como é o caso das abelhas e das formigas. 

Estes fenómenos levantam a possibilidade de os insectos poderem ter circuitos neurais capazes de experiência subjectiva.

Neurobiologia da nocicepção e da dor

Estudos com humanos mostram que a experiência de dor requer a combinação de diferentes inputs (por exemplo, emocional, sensorial, cognitivo), e que esta combinação ocorre em estruturas corticais. 

Nos humanos, a percepção da dor ocorre uma fracção de segundo após a activação da rede nociceptiva com a activação de uma ‘rede da dor’. Ou seja, os humanos têm uma rede de circuitos que combinam os aspectos sensoriais e emocionais da nocicepção juntamente com outros factores, tais como a memória.

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As abelhas asiáticas gritam com o seu corpo, vibrando-o (crédito: Alamy).

Estes resultados sugerem que a experiência subjectiva da dor é o produto de uma rede neural complexa e dinâmica – mas ainda falta descobrir uma conectividade definitiva da dor: as evidências em humanos mostram que a dor não é criada pela actividade numa área cerebral única; é provável que isto seja verdade também para outros mamíferos (como por exemplo para os ‘ratos de laboratório’).

Contudo, outros animais poderão usar diferentes estruturas neurais para criar uma experiência subjectiva de dor. Poderiam os cérebros dos insectos suportar uma rede de dor? Os insectos têm claramente a maquinaria neural para a nocicepção: têm nociceptores multimodais. 

O que reforça a nossa questão inicial: poderemos nós, humanos, admitir que existem outras formas de sentir e de sentir a dor, em particular?

Os custos da experiência subjectiva da dor, numa perspectiva evolutiva

Aqueles nociceptores dos insectos são ligações modestas entre regiões do cérebro – possivelmente, devido ao elevado custo dos grandes neurónios. Com efeito, segundo alguns estudos, é pouco provável que os insectos invistam numa ‘maquinaria neural’ para sentir dor; tal teria sucedido se houvesse vantagem evolutiva. Para a dor ser considerada uma vantagem, os seus benefícios teriam de superar os custos.

Assim, uma das questões que se colocam tem a ver com o número de neurónios necessários para uma experiência subjectiva mínima de dor. Seriam suficientes 100 neurónios? 

Mesmo que a experiência subjectiva requeira apenas 100 neurónios adicionais, isto aumentaria o custo do cérebro em 0,1% em insectos como o Drosophila melanogaster (mosca da fruta), que têm cerca de 100 000 neurónios no seu cérebro – células energeticamente caras.

Tanto em vertebrados como em invertebrados, o sistema nervoso consome uma parte significativa do orçamento energético do animal. Por conseguinte, é provável que o aumento do investimento neural necessário para produzir a experiência subjectiva da dor nos insectos conduzisse à redução de outras características, tais como a reprodução.

Mesmo que apenas alguns neurónios adicionais sejam necessários para uma experiência de dor muito modesta, cada neurónio que um insecto adiciona ao seu cérebro é proporcionalmente mais caro do que o custo de adicionar um neurónio adicional ao cérebro humano (cerca de um milhão de vezes mais caro para o Drosophila melanogaster). 

Não obstante e como sugerem alguns autores, é de equacionar que, pese embora possa ser um custo elevado, não significa que a evolução de uma determinada característica resulte em benefícios superiores aos custos.

O argumento padrão para o valor da dor é de que ela ajuda os animais a fazerem escolhas comportamentais adaptativas. Por outras palavras, evita que os insectos se tornem meras ‘máquinas de reflexos’. No entanto, avanços recentes na inteligência artificial sugerem que a experiência subjectiva da dor não é necessária para alcançar estes benefícios.

Ou seja, a nocicepção pode motivar a aprendizagem sem exigir a experiência subjectiva da dor.

Se os insectos podem produzir comportamentos complexos e motivados sem pagar pelos recursos neuronais adicionais necessários para sentir dor, então a evolução deve seleccionar esta opção mais barata.

Ainda assim, se os insectos possuem algum tipo de experiência subjectiva de dor, é provável que seja algo muito diferente da nossa experiência de dor. É possível que lhes faltem características chave, como a angústia, tristeza, e outros estados que requerem a síntese da emoção, memória e cognição – e que implicam uma rede composta por regiões cerebrais para processar toda esta informação.

É pela ausência destas características chaves, que implicam uma ligação e rede neural mais complexa, que muitos cientistas consideram ser pouco provável que os insectos sintam a experiência subjectiva de dor.

Contudo, é pouco provável que a experiência subjectiva da dor seja um fenómeno tudo-ou-nada. Esta dúvida levanta outras questões, nomeadamente a de questionar o que é que nós aceitaríamos como uma experiência subjectiva de dor. E se ela fosse desprovida de conteúdo emocional? E se a cognição não estiver envolvida? 

De destacar novamente que esta utilização do cérebro humano como padrão de ouro para os requisitos neurais da experiência subjectiva pode resultar numa infeliz analogia, a de aceitar que todos os outros cérebros não percepcionam dor, tão-só porque são diferentes.

Semelhanças embaraçosas 

Até há bem pouco tempo, aventar a hipótese de que os insectos têm sentimentos seria quase uma piada sem nexo, todavia, à medida que as provas se acumulam, os cientistas começam a reconsiderar.

Podem estar literalmente a zumbir de prazer com surpresas agradáveis, ou afundar-se em depressão quando acontecem coisas más que estão fora do seu controlo. Podem ser optimistas, cínicos, ou assustados, e responder à dor como qualquer mamífero o faria. E, embora ainda ninguém tenha identificado um mosquito nostálgico, formiga mortificada, ou barata sarcástica, a aparente complexidade dos seus sentimentos está a crescer todos os anos.

Seria surpreendente se os insectos pudessem sentir emoções, mas não as expressassem de todo. E, curiosamente, há algumas pistas que sugerem que os insectos podem ser mais sociáveis do que se pensa também.

A título de exemplo, numa investigação de Scott Waddell, com moscas da fruta, descobriu-se que os seus cérebros usam dopamina, tal como os nossos, para suscitar sentimentos de recompensa e punição. É neste contexto que a líder de outra equipa de investigação, Geraldine Wright, afirma que o processo evolutivo possa ter acontecido de forma convergente, e que talvez existam muito mais semelhanças com os processos neurais humanos.  

A equipa liderada por Wright tem desenvolvido muitas experiências com abelhas e outros insectos. De acordo com a investigadora, muitos insectos detêm uma série de capacidades cognitivas partilhadas com os humanos. As abelhas podem contar até quatro. As baratas têm uma vida social muito rica, formando tribos que se mantêm unidas e comunicam; as formigas podem até ser pioneiras em novas ferramentas: podem seleccionar objectos do seu ambiente e aplicá-los numa tarefa que estão a tentar completar, como a utilização de esponjas para levar o mel de volta ao seu ninho.

Geraldine Wright salienta, no entanto, que, só porque as abelhas são invulgarmente sociáveis – a vida em comunidade na colmeia é particularmente exigente cognitivamente, pelo que são consideradas inteligentes para os insectos –, não significa que todos os insectos possam experimentar pessimismo ou optimismo, mas é provável que experimentem essas emoções.

A dor, essa, continua a ser um dos aspectos mais controversos. 

Há muitas provas de que as larvas das moscas da fruta sentem dor mecânica – se as beliscamos, elas tentam escapar – e o mesmo acontece com as moscas adultas.”

Greg Neely, da Universidade de Sydney
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É difícil estudar a dor nas moscas da fruta porque elas não respondem à morfina. No entanto, são sensíveis à cocaína (Crédito: Alamy)

De acordo com o mesmo investigador, há provas emergentes de que as moscas da fruta podem, de facto, sentir a dor tal como a conhecemos – e não só isso, podem vivê-la cronicamente, tal como os humanos. 

Um estudo levado a cabo pela equipa de Martin Heisenberg concluiu que moscas da fruta feridas podem sentir dores persistentes, muito tempo depois da cura das suas feridas físicas. O investigador acredita que vivem num estado de ansiedade semelhante ao dos humanos, como quando sofrem uma lesão que gera dores neuropáticas crónicas.

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Durante a “época de abate”, os bandos de vespas gigantes asiáticas lançam ataques ferozes contra as abelhas, decapitando os elementos adultos e comendo os seus descendentes (Crédito: Alamy)

Dilemas que despontam

A descoberta de emoções de insectos coloca também um dilema um tanto embaraçoso aos investigadores – especialmente àqueles que dedicaram as suas carreiras a desvendá-las.

O uso de insetos para a investigação ainda é muito controverso, mas a descoberta de que eles podem pensar e sentir levanta uma série de enigmas implacáveis para outros campos.

Já existe um precedente histórico de proibição de pesticidas para proteger certos insetos – como o embargo de neonicotinóides pela União Europeia para proteger as abelhas. Será que estas questões e dúvidas serão suficientes para proibir ou evitar outros?

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A agricultura industrial transformou grande parte da superfície da terra num ambiente hostil para os insectos (Crédito: Alamy)

Finalmente, e como já mencionado, pese embora os insectos estejam a ser crescentemente promovidos como alternativa nobre e ecológica à carne de vertebrados, fica a questão: será que esta é, de facto, uma alternativa ética? Afinal, seria necessário matar 975 225 gafanhotos para conseguir o mesmo volume de carne de uma única vaca.

Talvez esta seja uma razão para não querermos ver os insetos como seres emotivos: seria insuportável ‘desfrutar’ de tal sofrimento…

Artigo por Ana Luísa Pereira

Fontes: 

Do insects feel pain? (surgeactivism.org)

Is it pain if it does not hurt? On the unlikelihood of insect pain | The Canadian Entomologist | Cambridge Core

Why insects are more sensitive than they seem – BBC Future

Drosophila species learn dialects through communal living (plos.org)

Os insetos que também podem sentir felicidade e depressão – BBC News Brasil

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