Durante muitos anos, tanto os peixes como outros animais aquáticos foram deixados de fora da discussão sobre direitos animais. Eram frequentemente tidos como sendo menos que um animal e julgava-se que não eram igualmente sensíveis e inteligentes.
Apesar do sofrimento evidente de muitos destes animais, particularmente daqueles que são criados em viveiro, dos que morrem sufocados após ser arrastados por redes enormes de pesca para um barco, ou os que são cozinhados ainda vivos, estas ideias persistiram.
Contudo, nos últimos anos, a ideia de que os peixes são menos que os outros animais tem-se vindo a dissipar e vários estudos mostram que os peixes têm um sistema nervoso complexo e sofisticado.
1. Os peixes sentem dor? Eis a questão
De acordo com o biólogo Culum Brown (2015), os peixes aprendem a associar certos estímulos à dor e a evitar potenciais danos a si próprios, o que é uma forte evidência da sua capacidade de sentira dor.
Segundo Lynne Sneddon, investigadora da Universidade de Edimburgo, alguns peixes, como a truta, apresentam mudanças fisiológicas e comportamentais quando expostos a substâncias nocivas. Além disso, descobriu que beliscar e picar peixes ativam os mesmos tipos de circuitos neuronais que, em humanos, originam estímulos dolorosos. No livro “Do Fish Feel Pain?”, a bióloga Victoria Braithwaite também defende que o sistema nervoso dos peixes reconhece estímulos de desconforto e dor, mesmo que seja de uma forma diferente da dos humanos.
Está também comprovado que os peixes-zebra (Danio rerio) podem sofrer de febre emocional quando ficam stressados, ou seja, há uma resposta do seu sistema límbico que leva a um aumento da temperatura corporal em situações de stress. Num estudo em que, foram analisados dois grupos de peixes-zebra livres (para comparação) e confinados (sob stress), mostrou-se que, ao contrário dos peixes livres, os peixes que se encontravam stressados após o confinamento escolheram ficar mais tempo em locais com temperaturas mais altas, alcançando, assim, um aumento da temperatura corporal de 2 a 4 °C. Desta forma, os investigadores concluíram que os peixe-zebra têm capacidade de mostrar febre emocional.
Os investigadores da Case Western Reserve University [uma universidade dos Estados Unidos sediada em Cleveland, no estado de Ohio], também chegaram à conclusão que os peixes mantidos em pequenos aquários tornam-se stressados e agitados, tal como outros animais que são mantidos em locais sobrelotados ou apertados.
Também um artigo publicado no Journal of Fish Biology explica que, apesar do estudo científico sobre o bem-estar dos peixes se apresentar, ainda, numa fase inicial em comparação com o trabalho sobre outros vertebrados, e embora estes sejam diferentes das aves e dos mamíferos, os peixes são, contudo, animais sofisticados, que estão longe de corresponder ao estereótipo comum das criaturas sem sentimentos com uma memória de 15 segundos.
Defende-se que quanto mais longa for a esperança de vida de uma dada espécie de animal, e quanto mais sofisticado for o seu comportamento geral, maior é a necessidade de processos mentais complexos semelhantes àqueles que nos humanos dão origem à experiência consciente do sofrimento. Assim, neste contexto, é relevante que os vertebrados com vida mais longa se encontrem entre os peixes e que o comportamento dos peixes é rico, complicado e longe de ser estereotipado…
Em algumas espécies de peixes, cefalópodes e crustáceos decápodes existem provas de capacidade de percepção de estímulos, sistemas de dor e glândulas ad-renais, respostas emocionais, memórias de longo e de curto prazo, cognição complexa, diferenças individuais, engano, uso de instrumentos, e aprendizagem social.
– Donal M. Broom, PhD, Professor de Bem-estar Animal na Universidade de Cambridge, Diseases of Aquatic Organisms, Vol. 75, No. 2, 2007
2. Os peixes são inteligentes e capazes de aprender
A literatura científica mais recente sobre cognição dos peixes mostra que muitas espécies de peixes são capazes de aprendizagem e integração de múltiplas parcelas de informação, algo que requer processos mais complexos do que a aprendizagem associativa.
Cientistas da Universidade de Oxford (Reino Unido) e da Universidade de Queensland (Austrália) analisaram uma espécie chamada peixe-arqueiro e descobriram que, quando mantidos como animais de estimação, eles são capazes de distinguir um rosto familiar de dezenas de outros com uma precisão surpreendente.
Ainda um outro estudo sobre a capacidade dos peixes usarem instrumentos sugere que eles têm uma grande habilidade cognitiva. O peixe-arqueiro, por exemplo, “cospe” um jato de água para fora de água de modo a atingir os insetos, para que possam depois comê-los. Já peixes do género Choerodon são conhecidos por conseguirem abrir conchas ao esmagá-las contra pedras, algo que é equiparável ao uso de ferramentas.
Além disso, os peixes têm capacidade de aprendizagem. Numa experiência com Guppies, os animais mostraram capacidade de navegar por um labirinto que consistia em seis junções consecutivas em T. Os guppies aprenderam a resolver o labirinto complexo, e tanto o número de erros quanto o tempo para sair diminuíram significativamente durante o período de treino, que consistia em 30 tentativas ao longo de 5 dias de teste. Os peixes conseguiram alcançar uma taxa de sucesso de 68% no primeiro dia de treino e ultrapassaram os 80% no último dia.
Além de inteligentes e capazes de aprender, assim como os humanos, os peixes também gostam de uma boa massagem, de acordo com um estudo publicado no Nature Communications, [um jornal que abrange todas as áreas das ciências naturais], cientistas do Instituto Universitário de Lisboa, em Portugal, com foco nos Peixes-Cirurgião, que habitam nos recifes de corais.
Os benefícios para a saúde do toque, como a massagem terapêutica, têm sido demonstrados em vários animais, incluindo pássaros e primatas, mas este é o primeiro estudo a mostrar que o contacto físico amigável é igualmente bom para os peixes.
3. Aquacultura e a sobrepesca: uma ameaça ao bem-estar dos peixes e o caminho para a extinção de espécies
O sector de produção alimentar em mais rápido crescimento é a aquacultura: um em cada dois peixes comidos é agora criado num viveiro em vez de ser capturado na natureza (2).
Tal como acontece com outras formas de criação de animais, as práticas usadas pelos criadores de peixes em aquaculturas destinam-se a aumentar o lucro e comprometem seriamente o bem-estar dos peixes, assim como a biodiversidade dos nossos rios e oceanos. Preocupações relativas ao bem-estar incluem: a má qualidade da água, a hiper-agressividade, as lesões, doenças associadas às densidades de povoamento denso, problemas de saúde resultantes da selecção para um crescimento rápido, manuseamento e deslocação para fora da água durante procedimentos de criação rotineiros, a privação de alimento durante o tratamento de doenças e antes da apanha e a dor durante o abate.
Em Janeiro de 2011, a organização Mercy For Animals divulgou imagens captadas clandestinamente que mostram trabalhadores numa instalação de abate no Texas a usarem alicates para arrancarem a pele a peixes vivos.
A sobrepesca é um outro problema grave que compromete a sobrevivência dos ecossistemas no nosso planeta. Nas zonas de pesca marinha mundiais, 87% dos stocks de peixes já estão completamente explorados, sobre-explorados, ou esgotados. Um artigo da UN Chronicle sobre pesca excessiva alerta que “os oceanos são desbravados ao dobro da velocidade das florestas” e que “o aumento drástico de técnicas de pesca destrutivas aniquila mamíferos marinhos e ecossistemas inteiros.” Aliás, estima-se que a cada ano, centenas de milhares de golfinhos, focas, e outros mamíferos marinhos morrem em redes de pesca no mundo inteiro.
Nas últimas décadas, o desenvolvimento tecnológico do setor da pesca e aquicultura permitiu o aprimoramento dos métodos de captura em grande escala, o que causa graves problemas como a extinção de espécies.
Um bom exemplo do impacto da pesca na continuidade da espécie é a vaquita (Phocoena sinus), a espécie de mamífero marinho mais ameaçada do mundo. Considerado um tesouro nacional no México, onde é encontrado na parte superior do Golfo da Califórnia, é conhecido pelo seu pequeno tamanho, com um metro e meio de comprimento e pelas marcas cinzentas e pretas nos olhos e focinhos. Os mamíferos foram declarados pela primeira vez “vulneráveis” pela lista vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) em 1978, mas estão agora à beira da extinção, uma vez que restam apenas dez indivíduos, devido à pesca ilegal com rede de emalhar, que é utilizada para apanhar camarões e peixes da espécie totoaba que partilham o mesmo habitat.
As vaquitas-marinhas acabam presas em redes colocadas por caçadores furtivos à procura do totoaba, um peixe em risco de extinção que vale milhares de euros no mercado negro da China pela sua bexiga natatória, que é considerada uma iguaria e é utilizada para a medicina tradicional. Embora o México tenha proibido a pesca de totoaba e tornado ilegal o uso de redes no habitat das vaquitas, a pesca ilegal continua a ser um sério problema.
A pesca prejudica assim o meio ambiente de diferentes formas, sendo a principal delas a diminuição drástica de peixes de determinadas espécies, sobretudo as mais consumidas ou com maior valor de mercado. No entanto, outras espécies acabam por ser afetadas pela atividade. Aliás, as redes usadas para a captura de peixes acabam frequentemente por aprisionar mamíferos, crustáceos, moluscos e outros animais, resultando frequentemente na sua morte. Esse processo, além de matar milhares de animais, também destrói seu habitat.
Tradução: Nuno Metello. Artigo melhorado por: Susana Ribeiro.
Última actualização: 03.09.2022
Original traduzido disponível aqui.