A Associação Vegetariana Portuguesa (AVP), em parceria com a União Vegetariana Europeia (EVU), colocou 16 questões a todos os partidos políticos portugueses candidatos às eleições europeias de 2024, com o objetivo de compreender as suas posições em relação ao sistema alimentar e, em particular, em matéria de política agrícola, ambiental e de saúde. Os seguintes 4 partidos responderam às questões colocadas: Bloco de Esquerda, Livre, Pessoas-Animais-Natureza (PAN) e Volt Portugal.
A disponibilidade destes 4 partidos em responder ao inquérito da AVP evidencia, independentemente das respostas, uma maior receptividade para considerar a urgente necessidade de transformar o sistema alimentar, algo que se deveria verificar em todos os partidos.
A partilha deste questionário pretendia também concluir sobre como os partidos se posicionam perante o amplo consenso de que limitar o consumo de carne e laticínios, especialmente em países de maior rendimento, contribui para mitigar as alterações climáticas, travar a perda de biodiversidade e combater doenças crónicas não transmissíveis, conforme sublinham vários estudos, incluindo da própria Agência Europeia do Ambiente e um relatório de aconselhamento científico à Comissão Europeia.
Segundo a AVP, a Europa tem uma elevada influência nos Estados-Membros quando o assunto se prende com políticas agrícolas e ambientais, pelo que estas eleições europeias podem ser determinantes para a sustentabilidade do sistema alimentar.
Impacto climático da produção e consumo alimentar
Na União Europeia, as emissões da agricultura representam cerca de 10% de todas as emissões de gases de efeito estufa, das quais a pecuária é responsável por 70%. Por sua vez, a expansão agrícola é responsável por 80% de toda a destruição de florestas no mundo, sendo a soja para ração animal uma das principais causas.
Duas grandes fontes de emissões de gases de efeito estufa são a produção de eletricidade e calor e a agricultura e outros usos de terra. Não podemos focar apenas numa e não na outra, os dois escopos são fundamentais. Não é possível cumprir as metas climáticas sem considerar os impactos ambientais da agricultura e do sistema alimentar.
A organização Greenpeace Europe calculou que, para atingir as metas climáticas da União Europeia até 2050, os europeus precisam de reduzir o consumo de carne em mais de 80%, para uma ingestão máxima de 300 g por semana (tendo como base a dieta planetária da Comissão EAT-Lancet). Uma mudança generalizada para dietas de base vegetal poderia também reduzir a necessidade de uso de terra agrícola em cerca de 75%. Mais recentemente, a Greenpeace publicou uma Carta Conjunta, em conjunto com 140 organizações da sociedade civil, incluindo associações portuguesas, como a Associação Vegetariana Portuguesa, ZERO e Quercus, que apela a que medidas e compromissos ambientais da União Europeia não sejam deixados para trás na agenda política. Em detalhe, alerta que a Comissão Europeia está a abandonar os planos para produção sustentável de alimentos.
Mais de 80% dos fundos da Política Agrícola Comum são usados para subsidiar a pecuária intensiva (direta e indiretamente), sendo que tais alimentos de origem animal estão associados a 84% das emissões de gases com efeito de estufa incorporadas na produção alimentar da União Europeia.
A vontade dos consumidores e os efeitos na saúde
Felizmente, os consumidores têm exigido mais e melhores produtos de base vegetal no mercado e, como tal, uma adaptação por parte dos produtores e tecido empresarial. O aumento das vendas de alimentos de base vegetal (21% entre 2020 e 2022) reflete esse aumento da procura.
Esta vontade dos consumidores deve ser acompanhada de políticas públicas que reforcem um sistema alimentar mais sustentável, saudável e justo. De acordo com um estudo da WWF, 76% dos consumidores europeus acreditam que o governo deveria tornar os alimentos sustentáveis mais baratos e metade concorda em tornar os produtos alimentares insustentáveis mais caros.
Adicionalmente, estima-se que a adoção de uma dieta de base inteiramente vegetal possa reduzir a mortalidade associada à alimentação em 8,1 milhões de mortes por ano. Em Portugal, onde o consumo de carne é cerca de quatro vezes superior ao recomendado na Roda dos Alimentos, a alimentação inadequada e o excesso de peso estão entre os fatores que mais contribuem para a perda de anos de vida saudável, segundo dados recentes.
Privilegiar fontes proteicas de base vegetal é uma solução transversal. Ao diminuir o consumo de carne, reduzimos as emissões de gases de efeito estufa, diminuímos a desflorestação e preservamos a biodiversidade e os recursos hídricos. Promovemos também a saúde pública e combatemos a fome global. Uma agricultura economicamente sustentável depende da sustentabilidade ambiental. O combate às alterações climáticas é também uma prioridade dos agricultores.
Os decisores políticos devem criar as condições necessárias para garantir que os agricultores possam ganhar a vida dignamente quando produzem alimentos saudáveis e sustentáveis para o bem comum: ambiente, clima, pessoas e animais. Para produzir uma grama de proteína de carne bovina é necessário ter quase 100 vezes mais terra do que para produzir uma grama de proteína de ervilhas ou tofu. Incentivar mais proteínas de base vegetal é bom para todos.
As perguntas colocadas a todos os partidos, no âmbito das eleições europeias, e o posicionamento dos 4 partidos que responderam ao apelo, encontram-se na tabela abaixo.
Questionário e respostas de 4 partidos portugueses sobre políticas do sistema alimentar europeu
Bloco de Esquerda | Livre | PAN | Volt | |
1. Reconhece que uma maior predominância da alimentação de base vegetal é essencial para alcançar as metas climáticas? | Sim | Sim | Sim | Sim |
2. Apoia que os programas de financiamento da UE, para pesquisa e inovação, priorizem a ampliação da produção de alimentos sustentáveis e saudáveis de base vegetal? | Sim | Sim | Sim | Sim |
3. Acredita que a próxima Comissão Europeia deve tornar a transição para sistemas alimentares sustentáveis uma alta prioridade política? | Sim | Sim | Sim | Sim |
4. Concorda que devem existir medidas políticas que procuram transformar não só a forma como produzimos alimentos, mas também os ambientes alimentares, para garantir que as opções alimentares saudáveis e sustentáveis sejam as mais acessíveis, económicas e atrativas? | Sim | Sim | Sim | Sim |
5. Concorda com a criação de um quadro legislativo europeu que visa a sustentabilidade ambiental de todos os níveis da cadeia de abastecimento alimentar? Este quadro poderia abranger todos os intervenientes do sistema alimentar, como produtores, distribuidores e retalhistas, e considerar aspetos diversos, como compras públicas, rotulagem ambiental de produtos alimentares e refeições escolares saudáveis. | Sim | Sim | Sim | Sim |
6. Concorda que a UE deva apelar aos Estados Membros para que implementem diretrizes alimentares nacionais que sejam mais sustentáveis e inclusivas (nomeadamente, que passem a considerar alternativas proteicas de base vegetal mais sustentáveis e saudáveis)? | Sim | Sem posicionamento | Sim | Sim |
7. A UE definiu uma nova meta climática: reduzir as emissões de GEE em 90% até 2040. Considera que a sustentabilidade do setor alimentar deve ser considerada no âmbito do cumprimento deste objetivo climático? | Sim | Sim | Sim | Sim |
8. Considera que a Estratégia Proteica da UE deve priorizar proteínas de base vegetal (ou proteínas alternativas) para consumo humano? | Sim | Sim | Sim | Sim |
9. Considera que mais medidas da estratégia europeia Do Prado ao Prato deveriam ser implementadas? | Sim | Sim | Sim | Sim |
10. Apoia a aplicação do princípio do poluidor-pagador àqueles que mais poluem dentro do setor agrícola? Por exemplo, um imposto sobre carbono em todas as emissões de gases de efeito estufa ou outro? | Não | Sim | Sim | Sim |
11. Apoia o estabelecimento de medidas que procurem aumentar a proporção de fontes de proteína de base vegetal, saudáveis e sustentáveis, à venda nos supermercados, em comparação com as de origem animal? | Sim | Sim | Sim | Sim |
12. Considera que a Política Agrícola Comum deveria orientar-se mais por princípios de sustentabilidade ambiental e de saúde e, como tal, deveria redirecionar apoios para alimentos e práticas mais sustentáveis, promovendo também o cultivo de mais alimentos de base vegetal? | Sim | Sim | Sim | Sim |
13. Concorda com a reação da Comissão Europeia às manifestações dos agricultores, quando esta optou por recuar em matéria de políticas de sustentabilidade ambiental (p.ex.: retirada da proposta de legislação para reduzir a utilização de pesticidas)? | Não | Não | Não | Não |
14. A UE aprovou o regulamento anti-desflorestação, que obriga as empresas a garantir que os produtos vendidos na UE não contribuem para a desflorestação e degradação florestal, em prol do clima e da biodiversidade. Abrange uma ampla gama de produtos, incluindo soja, carne bovina, óleo de palma e café. Concorda com esta medida? | Sim | Sim | Sim | Sim |
15. O Parlamento Europeu aprovou a Lei do Restauro da Natureza, que define o objetivo de recuperar, pelo menos, 20% das zonas terrestres e marítimas do território da União Europeia, até 2030, e de todos os ecossistemas que necessitam de restauro até 2050. Concorda com esta medida? | Sim | Sim | Sim | Sim |
16. Concorda com a inclusão da oferta de bebida vegetal no programa europeu de ajuda à distribuição gratuita de leite, fruta e produtos hortícolas? | Sim | Não | Sim | Sim |
De acordo com as respostas facultadas e de um modo geral, todos os 4 partidos que participaram no questionário concordam com a importância da alimentação de base vegetal, em implementar medidas de transição para sistemas alimentares sustentáveis, em criar um quadro legislativo para sustentabilidade ambiental na cadeia alimentar, em apoiar o regulamento anti-desflorestação e a Lei do Restauro da Natureza, e em rejeitar o recuo da Comissão Europeia em políticas agrícolas que promovem a sustentabilidade ambiental.
Ao contrário dos outros partidos, o Livre referiu não ter uma posição sobre diretrizes alimentares nacionais sustentáveis e inclusivas e indicou não apoiar a inclusão de bebida vegetal no programa europeu de distribuição gratuita de leite, fruta e produtos hortícolas. Não obstante, disse à AVP reconhecer que “existem alimentos, como os produtos de origem animal, que comportam impactos ambientais e emissões de gases de efeito de estufa particularmente elevados”, acrescentando que “defende um programa de fomento da alimentação saudável no contexto escolar, com vista a apoiar uma alteração dos nossos comportamentos de consumo”.
O Bloco de Esquerda foi o único partido que se posicionou contra a aplicação do princípio do poluidor-pagador no setor agrícola. Segundo o partido, “o princípio do poluidor-pagador tem o efeito perverso de permitir e legitimar que as empresas com maiores recursos financeiros continuem a poluir o que entendem”, defendendo que “as emissões de gases de efeito estufa devem ser limitadas de outras formas”.
A AVP analisou ainda os programas eleitorais relativos às europeias de 2024 dos diferentes partidos que participaram no questionário, destacando o Volt por propor medidas que diretamente, de forma clara, promovem o redirecionamento de fundos para o desenvolvimento do setor de base vegetal, defendendo a criação de um “Plano de Ação Europeu para Fomento de Alimentação mais à Base de Plantas”. Também o PAN refere a alimentação de base vegetal no seu programa por via de uma proposta de promoção de campanhas publicitárias sobre alimentação de base vegetal, de acordo com a análise da AVP.
Esta iniciativa insere-se no contexto do projeto Proteína Verde, da campanha Putting Change on the Menu do Eurogroup for Animals e do Manifesto para as Eleições Europeias de 2024 da União Vegetariana Europeia (EVU), que apela a um compromisso com a transformação dos sistemas alimentares para alcançar as metas climáticas e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. A nível da UE, a EVU recolheu respostas de vários partidos europeus sobre incentivos financeiros, questões de saúde e ambientais, promoção da sustentabilidade da Política Agrícola Comum, apoio à carne cultivada, entre outros.