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A História Esquecida do Vegetarianismo Greco-Romano

A História Esquecida do Vegetarianismo Greco-Romano
A História Esquecida do Vegetarianismo Greco-Romano

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Para além da questão da dieta, os filósofos do passado participaram num debate feroz sobre a noção de justiça e a quem esta se aplica. Este debate ainda não chegou a um fim, mas de forma a saber que direção deverá tomar, o passado deverá ser do conhecimento de todos os que participam na discussão.

O regime alimentar das civilizações antigas greco-romanas (desde a era a.C.)

Antes de mergulhar nos conhecimentos dos filósofos gregos e romanos, é importante compreender a sua dieta. Para estes povos, a dieta consistia em grande parte de cereais, vegetais, e frutas. A proteína animal que era consumida era geralmente peixe, galinha ou porco, sendo estes os animais mais convenientes e baratos de obter para consumo alimentar. Contudo, apenas os cidadãos mais abastados conseguiam comportar os custos do consumo regular de carne.

Pitágoras ensinava que os animais tinham alma e eram imortais

O primeiro filósofo ocidental que criou um legado vegetariano duradouro foi o professor grego Pitágoras. Nascido na ilha de Samos em 580 A.C., Pitágoras estudou nos atuais Egito, Grécia e Iraque, antes de estabelecer a sua escola na cidade de Crotona, no sul de Itália. Famoso pelas suas contribuições para a matemática, música, ciência, e filosofia, é nesta última que surge um interesse particular. Pitágoras ensinava que todos os animais, e não apenas os seres humanos, tinham alma, eram imortais e reencarnavam após a sua morte. Havendo a possibilidade de um ser humano se transformar num animal após a morte, e de um animal se tornar humano, Pitágoras acreditava que matar e comer animais não humanos manchava a alma e impedia a união com uma forma de “realidade superior”. Acreditava, ainda, que comer carne não era saudável e impelia os seres humanos para a guerra. Por estas razões, Pitágoras não comia carne e encorajava os seus pares a fazerem o mesmo, tornando-o um dos primeiros ativistas do vegetarianismo ético.

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Para Platão, a abstenção da carne surgia a partir do desejo pela paz

O filósofo grego Platão (428/427 – 348/347 A.C.) foi influenciado pelos conceitos de Pitágoras, mas não foi tão longe como este. Não é claro qual terá sido a sua dieta, mas os ensinamentos de Platão defendem que apenas os seres humanos têm almas imortais e que o Universo existe para uso humano. No entanto, em A República, o personagem Sócrates, escrito por Platão, defende que a cidade ideal seria uma cidade vegetariana, baseando-se nas proposições de que o consumo de carne é um luxo, e que leva à decadência e à guerra. Assim, para Platão, a abstenção da carne surge a partir de um desejo pela paz, e como uma forma de evitar uma vida de excessos e indulgências.

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A hierarquia dos seres de Aristóteles

O estudante de Platão, Aristóteles (384 – 322 A.C.) concordava com as asserções de que o Universo existia para uso humano, e que apenas este possuía uma alma imortal. Aristóteles argumentava em favor da existência de uma hierarquia de seres, na qual as plantas ocupavam a base e os seres humanos o topo. Nesta escala, o filósofo considerava as mulheres como inferiores aos homens e acreditava que alguns seres humanos eram escravos por natureza. Relativamente aos animais, como indica Norm Phelps em The Longest Struggle, Aristóteles argumentava que os seres humanos não tinham nenhuma obrigação ética para com os animais, devido ao facto de estes serem irracionais. Colin Spencer, em The Heretic’s Feast, nota que Aristóteles defendia que os animais não humanos não conseguiriam sobreviver por si próprios, sem auxílio dos seres humanos, apesar de todas as provas em contrário. Verifica-se, assim, que Aristóteles desenvolveu muitos dos argumentos utilizados contra o estabelecimento de um sistema de justiça que defende de igual forma os seres humanos e os animais não humanos.

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Platão e Aristóteles na Escola de Atenas (1509-1510), fresco de Rafael Sanzio, na Stanza della Segnatura, nos Museus Vaticanos

Zenão defendia a dieta vegetariana em prol de um estilo de vida saudável

Aristóteles não foi o único filósofo a avançar com esta linha argumentativa. De acordo com Spencer, o fundador do Estoicismo, Zenão (335 – 263 A.C.), também defendia a existência de uma hierarquia de seres vivos em que as plantas representavam a base e os seres humanos o pico. Zenão, como Aristóteles, declarou os animais como não merecedores de justiça, devido à sua incapacidade de racionalizar. No entanto, a sua dieta consistia de pão, mel, e água. Zenão demonstrou que os indivíduos levam uma dieta vegetariana por diversas razões, e apesar de não o fazerem necessariamente pelos animais, esta dieta por si só era vista como capaz de providenciar um estilo de vida saudável.

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Epicuro, o filósofo que não comia carne por considerá-la um luxo

Um contemporâneo de Zenão, foi o filósofo Epicuro (341 – 270 A.C.). Este concordava com a noção de que o Universo era para os seres humanos. Spencer afirma que Epicuro se distinguia dos restantes filósofos mencionados pela sua crença de que as almas paravam de existir após a morte de um indivíduo, assim, a morte não era algo que devia ser temido. Um outro elemento chave para a sua filosofia era a crença na malignidade da dor, e na benevolência do prazer. Epicuro acreditava que o desejo causava dor, e que a dependência dos seres humanos a prazeres temporários os afastava do prazer verdadeiro. Com base nesta ideia, o filósofo não comia carne, pois considerava o seu consumo um luxo que distraía os indivíduos de uma vida melhor. Contudo, Epicuro não fez qualquer proibição contra o consumo de carne, permitindo aos seus seguidores esta prática. Apesar da ausência de uma proibição concreta, o seu exemplo pessoal ilustra o que este considerava ser a forma ideal de viver, e assim, como Zenão, Epicuro surge como um outro exemplo histórico a favor de uma dieta vegetariana.

Teofrasto acreditava que consumir animais é errado moralmente

Teofrasto (372 – 287 A.C.), um biólogo e filósofo grego amigo e pupilo de Aristóteles, discorda da sua posição relativamente aos animais. Argumentando que matar animais para consumo é um desperdício, e que é errado de um ponto de vista moral. Formula ainda uma hipótese para a origem do consumo de carne, defendendo que a guerra terá sido o que forçou o ser humano a comer carne devido à destruição das colheitas agrícolas. Ao contrário do seu mestre, Teofrasto proclama que os sacrifícios animais enfurecem os deuses e colocam a humanidade no caminho do ateísmo. Claramente, os argumentos religiosos a favor do vegetarianismo são uma motivação recorrente ao longo da história.

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Ovídio defendia o abandono do sacrifício dos animais

O legado de Pitágoras foi preservado pelo poeta e moralista Ovídio (43 A.C. – 17 D.C.). Um estoico influenciado por Pitágoras, exilado no ano 8 D.C. pelo imperador Augusto, para o que viria a ser a cidade de Constança, na Roménia. No seu poema Metamorfoses, Ovídio evoca os pedidos impetuosos de Pitágoras para que os cidadãos abandonassem o sacrifício de animais e se abstivessem de comer carne. Estas passagens mantiveram a memória de Pitágoras viva, e servem como testemunho do estilo de vida vegetariano levado pelo próprio Ovídio.

A dieta vegetariana do filósofo Romano Séneca

Influenciado por Pitágoras e por Epicuro, o filósofo Romano Séneca (4 A.C. – 65 D.C.), adotou uma dieta vegetariana. Spencer afirma que Séneca denunciou a crueldade dos jogos utilizados por Roma para entreter os cidadãos, e desafiou a decadência do seu tempo. Séneca foi obrigado a esconder o seu vegetarianismo durante algum tempo, devido à desconfiança do imperador Calígula. Como conselheiro do imperador Nero, seu antigo estudante, Séneca foi forçado a suicidar-se aos 60 anos, devido a rumores de conspiração política.

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Filósofos da história em defesa da racionalidade e senciência dos animais

Um outro filósofo grego defensor dos animais foi o biógrafo e filósofo Plutarco (46 – 120 D.C.). Influenciado pela filosofia de Pitágoras, Plutarco adotou uma dieta vegetariana e escreveu vários ensaios em favor do vegetarianismo, defendendo também que os animais são racionais e merecedores de consideração. O ensaio On the Eating of Flesh, em particular, é notável por alguns argumentos familiares aos vegetarianos da atualidade, tal como a ineficiência do sistema digestivo do ser humano para digerir carne ou o facto de que os seres humanos não possuem características como as garras e dentes necessários para a satisfação de um apetite carnívoro. Esta linha de pensamento torna Plutarco verdadeiramente notável como um dos mais antigos defensores dos animais.

Depois de Plutarco, o filósofo grego Plotino (205 – 270 D.C.) combinou as teorias de Pitágoras, Platão e o Estoicismo, numa escola filosófica de nome Neoplatonismo. Este ensinava que todos os animais sentem dor e prazer, e não apenas os seres humanos. De acordo com c, autor de Vegetarianism: A History, Plotino acreditava que, de forma a que os seres humanos se unissem com a “realidade suprema”, estes teriam de tratar todos os animais com compaixão. Procurando praticar os seus ensinamentos, Plotino evitava medicamentos feitos a partir de animais. O uso de animais de trabalho ou de vestuário de lã eram aceitáveis para o filósofo, mas exigia que estes animais fossem tratados humanamente.

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Dando continuidade ao trabalho de Plotino, surge o grande autor e filósofo Fenício, Porfírio (232 – 305 D.C.). Este argumentava com evidências históricas, e obtidas através da observação, em defesa do vegetarianismo e da racionalidade dos animais. De acordo com Spencer, em On the Impropriety of Killing Living Beings for Food, Porfírio defendeu que o consumo de carne encorajava a violência; demonstrou a capacidade dos animais para a racionalização; e argumentou que a justiça se deveria estender aos mesmos. Como Plutarco, Porfírio foi uma das grandes vozes ocidentais do passado a favor do vegetarianismo.

A antiguidade de se estar a favor dos direitos dos animais

O vegetarianismo e os direitos dos animais têm uma longa história nas civilizações ocidentais, estendendo-se a uma antiguidade que é desconhecida ou esquecida por muitos. O que esta história ensina é que muitos Gregos e Romanos sobreviveram sem comer carne ou sem usar produtos de origem animal. Demonstra que os argumentos a favor e contra os direitos dos animais são tão antigos como a filosofia Grega. Ensina, ainda, que muitas das razões apresentadas para não consumir carne hoje em dia são as mesmas que eram utilizadas na antiguidade: espiritualidade, saúde, paz, ou justiça. Assim, o movimento pelos direitos dos animais moderno está construído com base no passado. Por fim, esta informação apresenta-nos a vozes importantes que devem ser tidas em consideração no debate pelo vegetarianismo e pelos direitos dos animais.

Artigo adaptado de Britannica.com
Por Ana Beatriz Salgado

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