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Estratégias para Melhorar a Absorção de Nutrientes de Alimentos de Origem Vegetal

Nas últimas décadas, o número de indivíduos com padrões alimentares de base vegetal tem vindo a aumentar exponencialmente em todo o mundo, o que tem levado grupos de investigadores a focar os seus trabalhos no estudo dos impactos para a saúde da adoção destes padrões alimentares, comparando-os com os de uma dieta que inclui ingredientes de origem animal.  Neste artigo iremos abordar os nutrientes que, nos padrões alimentares vegetarianos, merecem especial atenção e quais as técnicas ou substâncias (e as respetivas fontes alimentares) que podem potenciar ou inibir a absorção desses nutrientes.
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Estudos recentes mostram que, independentemente do padrão alimentar (e aqui, incluindo-se também o padrão alimentar que inclui o consumo de carne, para além dos padrões alimentares ovolactovegetariano e vegetariano estrito), os indivíduos apresentam ingestões inferiores às necessidades (1, 2) e défices de alguns nutrientes (1, 2).

No entanto, são várias as organizações e instituições nacionais como a Direção Geral de Saúde (DGS)(3) e internacionais, como a Academia Americana de Nutrição e Dietética (4), a Associação Britânica de Nutricionistas(5) e a Sociedade Italiana de Nutrição Humana(6), que têm publicados pareceres sobre a adequação nutricional das dietas vegetarianas. Estas organizações defendem unanimemente que dietas vegetarianas, quando apropriadamente planeadas, são saudáveis e nutricionalmente adequadas em todas as fases do ciclo de vida podendo, inclusivamente, ser úteis na prevenção e tratamento de algumas doenças crónicas(3, 4, 5, 6)

Aqui, a ideia-chave é o planeamento das refeições, independentemente do padrão alimentar. 

Abordando concretamente os padrões alimentares vegetarianos e incluam eles ovos, leite e outros produtos lácteos ou sejam eles 100% vegetais existem, então, alguns nutrientes que merecem especial atenção por três principais motivos:

  1. Porque fazem parte da composição natural apenas de alimentos de origem animal;
  2. Porque se apresentam em quantidades reduzidas nos alimentos de origem vegetal;
  3. Porque poderão não ser tão bem absorvidos devido aos fatores anti-nutricionais (como fitatos e oxalatos) presentes nos alimentos de origem vegetal.

Iremos focar, assim, nestes nutrientes que merecem atenção especial: a proteína, os ácidos gordos ómega 3, o cálcio, o ferro, o zinco, o iodo e a vitamina B12. 

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PROTEÍNA

A proteína é um macronutriente que tem como unidades estruturais básicas os aminoácidos. Os aminoácidos podem ser essenciais (se o nosso organismo não os consegue produzir e, por isso, têm de ser obtidos a partir da dieta) ou não essenciais (se forem produzidos pelo nosso organismo, não precisando de ser obtidos a partir da dieta)(7).  

Tabela 1. Exemplos de fontes alimentares de proteína de origem vegetal

AlimentoPorçãoValor energético (kcal)Quantidade de proteína (g)
Feijão cozido (vários tipos)80g (3 col. sopa)83-995-7
Grão-de-bico cozido80g (3 col. sopa)1047
Lentilhas cozidas80g (3 col. sopa)927
Tremoços cozidos e salgados80g (3 col. sopa)9913
Tofu125g17515
Seitan125g17430
Tempeh125g24425
Soja texturizada40g (6 col. sopa versão moída)11418
Bebida de soja250ml (1 cháv. almoçadeira)939
Flocos de aveia40g (5 col. sopa)1476
Frutos oleaginosos (vários tipos)30g (1 punhado)177-2262-10
Valores adaptados da Tabela de Composição dos Alimentos (INSA)

A qualidade das fontes proteicas da dieta depende de dois fatores: do seu conteúdo em aminoácidos e da sua digestibilidade(7)

No que toca ao seu conteúdo em aminoácidos, as proteínas dividem-se em proteínas de alto valor biológico e proteínas de baixo valor biológico. As proteínas de alto valor biológico são proteínas que contêm, na sua composição, todos os aminoácidos essenciais em proporções adequadas ao suprimento das necessidades dos indivíduos (como é o caso da proteína da soja). Por outro lado, as proteínas de baixo valor biológico têm baixo conteúdo de um ou mais aminoácidos essenciais (como é o caso das restantes fontes de proteínas vegetais)(7). Bem estabelecido está que, neste caso, um dos aminoácidos essenciais – a lisina – se encontra em quantidades vestigiais no grupo dos cereais, enquanto que os aminoácidos essenciais cisteína e metionina, se encontram em quantidades residuais nas leguminosas(7). Por este motivo é bastante vantajoso, do ponto de vista nutricional, combinar estes dois grupos de alimentos no mesmo dia alimentar, contribuindo para que se atinja a ingestão da quantidade adequada de todos os aminoácidos essenciais. 

Relativamente à digestibilidade, esta é inferior nas proteínas de origem vegetal (quando comparada com as proteínas de origem animal), devido à presença, nestes alimentos, de fatores anti-nutricionais que atuam na redução da digestibilidade proteica(7, 8).

Ora, se por um lado não conseguimos alterar o conteúdo de aminoácidos dos alimentos de origem vegetal, por esta ser uma condição intrínseca destes alimentos, por outro conseguimos fazer as combinações de alimentos necessárias para que, pelo menos no final do dia alimentar, tenhamos conseguido a ingestão da quantidade necessária de aminoácidos essenciais. Para além disso, podemos e devemos recorrer a algumas práticas para melhorar a digestibilidade das proteínas vegetais recorrendo a técnicas de processamento alimentar como a cozedura, a demolha, a germinação e a fermentação destes alimentos, permitindo a redução e/ou a inativação significativa dos designados de anti-nutrientes(8)

tofu made from soybeans food nutrition concept 2 1

ÁCIDOS GORDOS DA SÉRIE n-3

Importa referir que há duas classes de ácidos gordos, a dos ómega-3 e a dos ómega-6, que possuem ácidos gordos essenciais (que não são sintetizados pelo organismo humano em quantidades suficientes e que, por isso, precisam de provir da dieta), sendo eles o ácido α-linolénico (ALA), que é um ácido gordo ómega-3 e o ácido linoleico (LA), que é um ácido gordo ómega-6(9)

Tabela 2. Exemplos de fontes alimentares de ALA e LA de origem vegetal

AlimentoQuantidade de ALA por 100g alimentoQuantidade de LA por 100g alimentoQuantidade de alimento em g para obter 1,1g de ALA
Óleo de linhaça56g14g2g (1/4 col. de sopa)
Óleo de sementes de chia60g19g2g (1/4 col. de sopa)
Óleo de sementes de cânhamo23g48g5g (~1/2 col sopa)
Óleo de soja7g51g16g (~1col. sopa)
Óleo de noz10g51g11g (~1col. sopa)
Sementes de linhaça19,4g6g5,7g (~1 col. de sopa)
Sementes de chia18g6g6g (~1col. sopa)
Sementes de cânhamo9g27g13g (~1col. sopa)
Nozes9g38g12 (6 metades)
Tofu0,7g5g157g
Couve galega0,4g0,3g275g
Beldroegas0,3g0,1g367g
Valores adaptados da Tabela de Composição dos Alimentos (INSA) e das bases de dados da United States Department of Agriculture (USDA)

É a partir do ALA, que o ácido docosahexaenoico (DHA) e o ácido eicosapentaenoico (EPA) se formam, e estes são componentes com importância crítica para o bom funcionamento do organismo, por serem precursores de várias substâncias envolvidas, por exemplo, na regulação da pressão arterial e de respostas inflamatórias. O ALA e o LA encontram-se muitas vezes presentes nas mesmas fontes alimentares, existindo o LA em maiores quantidades, o que pode representar uma preocupação porque, no metabolismo, estes dois ácidos gordos competem pelas mesmas vias, fazendo com que a produção dos ácidos gordos EPA e DHA possa ficar comprometida, promovendo um ambiente prejudicial para saúde cardiovascular(9, 10)

Assim, para garantir que não se promove esta problemática, para além de se incluírem regularmente na dieta fontes alimentares de ALA, também se deve limitar a ingestão de LA, através da diminuição do consumo de óleos vegetais (de girassol ou milho, por exemplo) e de margarinas, privilegiando-se o consumo de azeite e outras fontes de ácidos gordos essenciais como frutos gordos e sementes(4, 6, 9, 10).  

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CÁLCIO 

O cálcio é um micronutriente que se encontra, no corpo humano, alocado 99% ao esqueleto, onde tem um papel estrutural e 1% em fluídos extracelulares, em estruturas intracelulares e em membranas celulares, onde participa em processos vasculares, neuromusculares e endócrinos(11).

Tabela 3. Exemplos de fontes alimentares de cálcio de origem vegetal

AlimentoPorçãoValor energético por porção (kcal)Quantidade de cálcio por porção (mg)
Tofu125g53.991
Soja texturizada40g60.433
Sementes de papoila15g84.8227
Sementes de sésamo15g93.0101
Sementes de chia20g91.2116
Bebida de soja (fortificada com cálcio)250ml (1 cháv. almoçadeira)132.5300
Agrião180g (1 cháv. almoçadeira)52.2360
Folhas de rabanete180g (1 cháv. almoçadeira)70.2360
Rúcula crua180g (1 cháv. almoçadeira)52.2288
Grelos de couve cozidos180g (1 cháv. almoçadeira)39.6234
Grelos de nabo cozidos180g (1 cháv. almoçadeira)36.0198
Brócolo cozido180g (1 cháv. almoçadeira)58121
Couve-galega cozida180g (1 cháv. almoçadeira)43.2468
Figos secos65g (8 unidades)176156
Valores adaptados da Tabela de Composição dos Alimentos (INSA)

O aporte suficiente de cálcio da dieta, é, portanto, de extrema importância. Nos alimentos de origem vegetal, o cálcio encontra-se predominantemente nos vegetais folhosos e leguminosas. Sabe-se que a biodisponibilidade do cálcio (ou seja, a sua capacidade de ser absorvido no trato digestivo) é inversamente proporcional ao teor de oxalatos e fitatos da dieta e que estes anti-nutrientes são abundantes em alimentos como os espinafres, as acelgas e as folhas de beterraba(6, 11). Isto significa que o cálcio destes alimentos ricos em anti-nutrientes não vai ser tão bem absorvido e que para beneficiarmos do cálcio destes alimentos, podemos recorrer às várias técnicas de processamento alimentar já abordadas, para reduzir ou eliminar estes anti-nutrientes(12) e, consecutivamente, melhorar a absorção do cálcio. Apesar disto, alguns autores não encontram melhoria muito significativa da biodisponibilidade do cálcio apenas com a utilização da cozedura(13), pelo que a utilização simultânea das técnicas (como demolha e posterior cozedura), poderá ser benéfica. 

Para além disso, alguns estudos mostram que a generalidade dos sais de cálcio utilizados na fortificação de alimentos, como o oxalato de cálcio utilizado na bebida de soja, é absorvida com uma eficiência semelhante à do cálcio do leite de vaca. Algumas diferenças encontram-se no malato-citrato de cálcio, cuja biodisponibilidade é ainda superior à do cálcio do leite de vaca e a do fosfato tricálcico que é apenas de 75% em comparação com a cálcio do leite de vaca(6, 11, 14). Já no que toca ao cálcio do cloreto de cálcio e do sulfato de cálcio utilizados na coagulação do tofu, este tem uma biodisponibilidade bastante semelhante ao cálcio do leite de vaca(6, 11, 15) e o cálcio das águas mineralizadas tem uma biodisponibilidade tão boa ou melhor que o cálcio do leite, sendo que essa absorção pode ser ainda melhorada, quando a água mineralizada é ingerida às refeições(6, 11). Por outro lado, a ingestão de alimentos ricos em sódio (sal) pode levar ao aumento da excreção urinária de cálcio, uma vez que o sódio e o cálcio partilham os mesmos sistemas de transporte no organismo(6, 11). Ainda, a ingestão de vitamina D atua no aumento da absorção intestinal de cálcio(16), por isso, um estado de vitamina D adequado é essencial. 

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FERRO

O ferro é um mineral essencial que participa no transporte de oxigénio no sangue e no metabolismo energético, tendo também outras funções(17, 18). No organismo humano, o ferro encontra-se maioritariamente associado à hemoglobina nos glóbulos vermelhos e no músculo, à ferritina no fígado(18)

A absorção do ferro depende, essencialmente, de dois principais fatores: das reservas corporais de ferro, em que a absorção de ferro é inversamente proporcional às reservas no organismo, e do tipo de ferro proveniente da dieta(17). O ferro da dieta pode ser de dois tipos: ferro heme e ferro não-heme.  O ferro heme é de origem animal (derivado da hemoglobina e mioglobina da carne e pescado) e é bem absorvido (é absorvido diretamente no trato gastrointestinal). O ferro não-heme é derivado de todo o ferro presente quer em alimentos de origem animal como vegetal e é menos bem absorvido, uma vez que a sua absorção é dependente de vários fatores tais como o estado nutricional do individuo, a sua solubilização no suco gástrico e da reação de redução do ferro férrico (Fe3+) a ferro ferroso (Fe2+)(19). Ora, os alimentos de origem vegetal fornecem exclusivamente ferro não-heme.

As necessidades diárias de ferro dependem da idade, do sexo, da composição corporal, de fatores genéticos e do estilo de vida dos indivíduos e, para indivíduos com dietas vegetarianas, as necessidades estão aumentadas em 80%(3).

Tabela 3. Exemplos de fontes alimentares de ferro de origem vegetal

AlimentoPorçãoQuantidade de ferro por porção (mg)
Aveia (flocos)40g0.52
Flocos de trigo e arroz enriquecidos com vitaminas, cálcio e ferro40g9.6
Feijão branco cozido120g (6 col. sopa)3
Feijão frade cozido120g (6 col. sopa)2.28
Feijão manteiga cozido120g (6 col. sopa)3.24
Grão-de-bico cozido120g (6 col. sopa)2.52
Lentilhas cozidas120g (6 col. sopa)2.76
Favas secas cozidas120g (6 col. sopa)1.92
Tremoço cozido e salgado120g (6 col. sopa)6.6
Soja cozida50g1.3
Proteína texturizada de soja40g3.32
Bebida de soja250ml1.00
Castanha de caju torrada30g1.71
Sementes de abóbora20g2
Sementes de sésamo20g2
Agrião cru180g3.06
Couve-galega cozida180g1.26
Bróculos cozidos180g1.8
Ervilhas congeladas cozidas120g1.44
Espinafres crus180g4.32
Valores adaptados da Tabela de Composição dos Alimentos (INSA)

São vários os compostos inibidores da absorção do ferro, como o ácido fítico e compostos fenólicos (polifenóis, taninos e catequinas presentes no chá, café, cacau e feijões de cor), que limitam a absorção ao se ligarem ao ferro no trato gastrointestinal(19, 20, 21). O cálcio pode também ter algum efeito inibidor da absorção de ferro(22). Por outro lado, existem também compostos potenciadores da absorção do ferro, como é o caso da vitamina C e dos ácidos orgânicos (ácidos cítrico, málico, láctico e tartárico dos hortofrutícolas)(19, 20, 21).

A utilização de métodos de processamento alimentar como a germinação, a fermentação, ou a adição de enzimas que degradam o ácido fítico, e a demolha e a cozedura também poderão levar a algumas perdas mais modestas de ácido fítico nos alimentos (dada à relativa resistência ao tratamento térmico)(18, 20, 21). O cálcio é o único componente da dieta que pode afetar tanto a absorção do ferro heme como do ferro não-heme no trato gastrointestinal, mas essa inibição é dependente da dose de cálcio ingerida e, por isso, a ingestão de fontes de cálcio juntamente com fontes de ferro deve ser cuidadosa(22, 23). Já no que toca aos compostos fenólicos, estes inibem a absorção de ferro em função da dose e da estrutura do composto fenólico, mas manter um estado adequado de ferro não obriga à eliminação de alimentos que contenham estes compostos (chá, café, cacau e feijões de cor). Estudos mostram que o consumo de alguns destes alimentos com o desfasamento de 1 hora em relação ao consumo de uma refeição rica em ferro tem um efeito inibitório mínimo na absorção do ferro dessa refeição(24)

Por outro lado, a vitamina C facilita a conversão do ferro férrico (Fe3+) a ferro ferroso (Fe2+), mas este efeito é dependente da dose (isto é, o ferro é tanto mais absorvido quanto maior for a dose de vitamina C), podendo mesmo superar o efeito inibitório do ácido fítico e dos compostos fenólicos(25, 26)

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ZINCO

O zinco é um micronutriente essencial para o metabolismo e, quando em défice, pode levar a casos de retardamento do crescimento, alopecia, glossite, distrofia ungueal, diminuição da função imunológica, hipogonadismo em homens, entre outros(27).

O zinco de origem vegetal apresenta, tal como o ferro, uma biodisponibilidade mais baixa e o composto que inibe a sua absorção é, predominantemente, o ácido fítico(28)

Tabela 3. Exemplos de fontes alimentares de zinco de origem vegetal

AlimentoPorçãoQuantidade de zinco por porção (mg)
Feijão branco cozido120g (~6 col. sopa)1.2
Feijão frade cozido120g (~6 col. sopa)1.3
Feijão manteiga cozido120g (~6 col. sopa)1.2
Grão-de-bico cozido120g (~6 col. sopa)1.4
Lentilhas cozidas120g (~6 col. sopa)1.7
Tremoços cozidos e salgados120g (~6 col. sopa)1.8
Aveia (flocos)40g (5 col. sopa)1.8
Gérmen de trigo40g (5 col. sopa)3.76
Farelo de trigo6g (2 col. sopa)0.462
Castanha de caju torrada30g1.71
Sementes de abóbora15g0.99
Sementes de cânhamo15g0.9
Sementes de papoila15g1.41
Sementes de sésamo15g0.81
Levedura Nutricional (Engevita*)5g (1 col. sopa)6
Valores adaptados da Tabela de Composição dos Alimentos (INSA) e *rótulo

Devem, assim, utilizar-se as técnicas de processamento alimentar como o processamento térmico (cozedura), a demolha, a fermentação ou a germinação dos alimentos de origem vegetal ricos em zinco e em especial, das leguminosas, levando à diminuição e/ou inativação do efeito inibitório do ácido fítico(29, 30) na absorção do zinco. Como potenciadores da absorção de zinco temos a ingestão mais elevada de proteína (devido à ação de certos aminoácidos), assim como a presença de ácidos orgânicos(29, 30)

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IODO

O iodo é um micronutriente crucial para a síntese das hormonas da tiróide, que têm um papel vital na regulação do metabolismo, do crescimento e do desenvolvimento neurológico(31).  

Alimentos de origem vegetal são, geralmente, pobres em iodo (uma vez que crescem em solos com conteúdos de iodo muito variáveis) e o iodo presente nestes alimentos apresenta menor biodisponibilidade. Nos padrões alimentares vegetarianos, os alimentos que servem de fonte de iodo são os alimentos fortificados, como o sal iodado e as algas. 

Tabela 6. Exemplos de fontes alimentares de iodo de origem vegetal

AlimentoQuantidade de iodo/100g de alimentoQuantidade de alimento (g) para obter 150µg/dia
Sal iodado (Vatel*)2300µg~6
Alga: Chondrus crispus6100µg~2
Alga: Palmaria palmata10200µg~1
Alga: Porphyra umbilicalis1300µg~11
Alga: Ulva spp.1600µg~9
MacArtain P et al (2007) e *rótulo

Aqui, uma chamada de atenção para o sal iodado: nem todo o sal disponível no mercado tem iodo(4, 31), apenas o sal rotulado como sal iodado é que serve de veículo para a ingestão deste nutriente. Por outro lado, a ingestão de algas deve ser cuidadosa: existe uma grande variação de iodo em algas comestíveis e, pequenas quantidades destes alimentos, podem fornecer grandes quantidades de iodo. Alguns estudos mostraram que indivíduos que consumiam algas apresentaram uma ingestão excessiva de iodo(31), o que poderá tornar-se bastante prejudicial, antecipando quadros de hipertiroidismo, hipotiroidismo, bócio, entre outros problemas(32). Em Portugal, o consumo de algas é muito pouco expressivo, mas ainda assim, as recomendações são para que o consumo seja moderado e não exceda as 3 a 4 vezes por semana.

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VITAMINA B12

A vitamina B12 (ou cobalamina) é essencial para as funções neurológicas, para a produção de glóbulos vermelhos e para a síntese de ADN(33, 34), é produzida por microrganismos e apenas se encontra em quantidades substanciais nos alimentos de origem animal e em alimentos fortificados. Nos alimentos de origem vegetal apresenta-se em quantidades vestigiais, uma vez que essas quantidades dependem da sua contaminação por bactérias produtoras desta vitamina, o que faz com que os alimentos de origem vegetal não sejam uma fonte segura deste nutriente(35)

Tabela 7. Exemplos de fontes alimentares de vitamina B12 de origem vegetal

AlimentoPorçãoQuantidade de vitamina B12 por porção
Alimentos fortificados:
Bebida de soja/amêndoa/arroz enriquecidas (Alpro*)250ml (1 cháv. almoçadeira)0.95µg
Bebida de soja Prozis250ml (1 cháv. almoçadeira)0.95µg
Iogurte vegetal natural, aromatizado (Alpro*)125g (1 unidade)0.95µg
Levedura nutricional (Engevita*)5g (1 col. sopa)2.2µg
Flocos de trigo e arroz enriquecidos com vitaminas, cálcio e ferro40g0.68µg
Cereais de pequeno almoço fortificados, vários tios40g0,2µg-0,92µg
Valores adaptados da Tabela de Composição dos Alimentos (INSA) e *rótulo

A vitamina B12 é absorvida na superfície absortiva do trato gastrintestinal e a porção excretada na bile é prontamente reabsorvida pela recirculação enterohepática(35), o que implica que as perdas desta vitamina sejam mínimas, ao longo do tempo. Por este motivo, a depleção e o défice apenas ocorrem após longos períodos (por vezes, de anos) de carência alimentar(35)

Uma particularidade da cobalamina é que ela pode encontrar-se tanto na forma ativa (forma com função biológica), como na forma inativa (sem atividade biológica). De facto, em algas, cogumelos e alguns produtos fermentados existe cobalamina, mas na sua forma inativa, fazendo com que estes alimentos possam ser erradamente percecionados como fontes alimentares de vitamina B12. Inclusivamente, esta forma inativa de vitamina B12 compromete a absorção de vitamina B12 ativa, aumentando o risco para o seu défice nutricional(34).

Nos padrões alimentares vegetarianos não estritos, as fontes de vitamina B12 serão os ovos e lacticínios e/ou os alimentos fortificados, mas mesmo a quantidade de vitamina B12 fornecida por estes alimentos poderá ser insuficiente para suprir as necessidades, daí a importância e relevância da suplementação em alguns destes casos. 

No que toca à suplementação, esta pode ser feita com qualquer uma das formas ativas de vitamina B12, sendo que as formas mais comuns nos suplementos são a cianocobalamina e a metilcobalamina. A cianocobalamina é a forma mais económica e também a mais adequada e segura para uso diário. 

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Quadro 1. Resumo das estratégias para melhorar a absorção de nutrientes dos alimentos de origem vegetal

NutrienteEstratégia
Proteína* Combinar a ingestão de alimentos do grupo dos cereais com alimentos do grupo das leguminosas
* Utilizar técnicas de processamento alimentar: demolha, cozedura, germinação e fermentação
Ácidos gordos ω-3* Limitar a ingestão de LA:
↓ consumo de óleos vegetais (girassol, milho, entre outros) e margarinas
* Privilegiar o consumo de linhaça moída, chia, nozes, cânhamo
Cálcio* Limitar a ingestão de produtos ricos em sódio (sal)
* Garantir um bom estado de vitamina D (alimentos fortificados são boas opções)
* Ingestão de águas mineralizadas (maior benefício se ingerida às refeições)
Ferro* Evitar ingerir café, chá e cacau na hora seguinte à ingestão da refeição rica em ferro não-heme
* Limitar a ingestão de alimentos ricos em cálcio na mesma refeição
* Combinar com a ingestão de fontes de vitamina C (kiwi, citrinos, morango, tomate, pimento, etc)
Zinco* Utilizar técnicas de processamento alimentar: demolha, cozedura, germinação e fermentação
* Aumentar ligeiramente a ingestão proteica
* Aumentar a ingestão de ácidos orgânicos (hortofrutícolas)
Iodo* Fazer a alteração do sal de adição por sal iodado
* Consumo moderado de 3-4 vezes/semana de algas (caso já seja um hábito alimentar)
Vitamina B12* Incluir na dieta levedura nutricional enriquecida com vitamina B12 e outros alimentos fortificados
Suplementação: uma opção para atingir determinadas necessidades nutricionais no entanto é recomendado que seja feita sob a orientação de um nutricionista ou outro profissional de saúde.

A complexidade que envolve tanto a seleção, preparação e processamento dos alimentos, como a interação entre os diversos nutrientes, evidencia o papel fundamental do Nutricionista no apoio da comunidade à adoção de padrões alimentares saudáveis.

Para além disso, o Nutricionista terá um papel também fundamental na disponibilização de informação baseada em evidência científica, que contribua para a literacia da comunidade, o que capacitará os indivíduos a tomarem decisões informadas e fundamentadas, que os levarão a seguir o padrão alimentar que pretendem, de forma esclarecida, reduzindo os riscos de desadequações nutricionais e de desfechos negativos para a saúde.

Artigo da autoria de Cátia Pinheiro, licenciada em Ciências da Nutrição e aluna de doutoramento em metabolismo (FMUP). [ver mais]

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