Repensar a forma como nos alimentamos é crucial para a resolução da crise climática que enfrentamos, a nível coletivo. Em Portugal, de acordo com um estudo da ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável, em parceria com a Global Footprint Network, precisaríamos de 2,5 planetas Terra se, em média, todas as pessoas no mundo consumissem como os portugueses, e a alimentação é o fator com maior peso na nossa pegada ecológica (32 %), sendo que a mobilidade surge como o segundo fator (18 %).
No entanto, os consumidores não dispõem da informação essencial para poderem tomar decisões mais sustentáveis, no que diz respeito à comida que encontram nas prateleiras dos seus locais de compra.
Uma das muitas linhas de ação do Pacto Ecológico Europeu passa por dar ferramentas aos cidadãos para fazerem escolhas mais conscientes e informadas, em suma, mais sustentáveis. Também do lado dos cidadãos há esta procura de mais informação e clareza.
Susana Fonseca, da Associação Ambientalista ZERO, uma das principais peticionárias
Contudo, continua a ser muito difícil navegar no mundo de alegações ambientais que são apresentadas por muitas marcas. O cálculo da pegada ecológica dos produtos pode contribuir para dar clareza às opções disponíveis, sendo fundamental que Portugal não fique para trás e garanta a representatividade dos produtos portugueses neste debate.
A disponibilização desta informação enfrenta um grande obstáculo. É pouco provável que a inserção de informação sobre o impacto ambiental dos alimentos seja feita de forma voluntária pelos produtores de alimentos, dada a dificuldade metodológica e técnica associada ao cálculo da pegada ecológica, e também pela perceção de que isso poderá levar a uma queda no consumo, em alguns casos.
Os subscritores da petição propõem assim a criação de uma Rotulagem da Pegada Ecológica dos Alimentos, tendo em conta a metodologia que está a ser desenvolvida pela Comissão Europeia – pegada ecológica do produto – a ser aplicada em produtos alimentares, e que represente, de forma simples e clara, a respetiva pegada ecológica, evidenciando o impacto ambiental ao nível da produção das matérias- primas, que entram na constituição de um alimento, do eventual processo de fabrico/transformação do produto, do transporte e da consequente eliminação de resíduos.
De acordo com os promotores, esta mudança no mercado é uma inevitabilidade. Aliás, a Comissão Europeia anunciou que será apresentado um novo quadro legislativo para Sistemas de Alimentos Sustentáveis até final de 2023, e que este contemplará rotulagem dos alimentos relativa ao seu impacto ambiental e nível de sustentabilidade.
Um estímulo para a economia mais verde
Nem todos os alimentos custam o mesmo a produzir, e a consideração a ter não pode passar apenas pela componente financeira, tendo também que passar pelo aspeto do impacto no ambiente.
Nuno Alvim, presidente da Direção da Associação Vegetariana Portuguesa, uma das outras organizações por trás da iniciativa.
De acordo as organizações envolvidas nesta iniciativa, um consumidor mais informado tenderá a orientar a sua procura para produtos cuja pegada ecológica seja mais reduzida ou neutra, o que deverá impactar de forma positiva toda a cadeia de abastecimento de alimentos, já que irá criar pressão para que as empresas se alinhem com a crise climática e ambiental e sejam mais competitivas nessa dimensão. Assim, esta medida envolve empoderar os consumidores, ao informá-los dos custos climáticos dos alimentos que consomem, encorajando ao mesmo tempo os fabricantes/produtores a reduzir a pegada ecológica da sua produção.
Embora alguns decisores políticos considerem que esta medida teria efeitos negativos no tecido económico, ou que seria penoso para alguns setores primários, a verdade é que poderia servir de estímulo a uma economia verdadeiramente verde.
Nuno Alvim
Uma petição que os consumidores podem assinar
Um estudo de 2020 mostrou que 57 % dos consumidores europeus são a favor da existência obrigatória de informações sobre sustentabilidade nos rótulos dos alimentos. E, em Portugal, no II Grande Inquérito da Sustentabilidade, do ICS-UL, apurou-se que 80 % dos portugueses consideram que o governo deveria intervir no sentido de promover hábitos alimentares mais sustentáveis e melhores para a saúde.
Inquéritos recentes mostram-nos que os consumidores estão cada vez mais alerta e disponíveis para adotar hábitos alimentares mais saudáveis e que respeitem os limites do nosso planeta. Um rótulo capaz de informar sobre a pegada ecológica do que consumimos será uma importante ferramenta para que todos possamos fazer compras responsáveis. É urgente que os decisores políticos e empresas compreendam o impacto que os atuais padrões de consumo estão a causar um pouco por todo o mundo.
Catarina Grilo, Diretora de Conservação e Políticas da ANPlWWF.
Noutros países, já se deram os primeiros passos, sendo exemplos disso o Eco-Score (França), que pontua os produtos até 100, usando um sistema de cores e letras, e o sistema Foundation Earth, projeto piloto europeu, que classifica os produtos de A+ a G, tendo em consideração os fatores de emissão carbónica, uso de água, poluição da água e perda de biodiversidade.
Sobre as organizações promotoras:
A AVP
A Associação Vegetariana Portuguesa é uma organização sem fins lucrativos fundada em 2006, cuja missão é informar sobre a alimentação de base vegetal enquanto estilo de vida saudável e sustentável, propondo-a como solução transversal para vários desafios que enfrentamos hoje como civilização moderna.
A ZERO
A ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável é uma organização não governamental de ambiente que intervém na sociedade portuguesa estimulando políticas públicas que tornem a sustentabilidade o novo normal e desenvolvendo projetos que contribuam para este caminho, em permanente diálogo com os diferentes grupos de interesse.
A ANP|WWF
A ANP|WWF é uma ONGA portuguesa sem fins lucrativos que trabalha em alinhamento com a visão e estratégia global da WWF. Tem como objetivo conservar e restaurar a natureza e proteger todos os que dela dependem, de modo a garantir o uso sustentável dos recursos naturais para apoiar as gerações atuais e futuras.
Ilustração na imagem de capa do artigo por Mónica Milheiro.